2 de setembro de 2012

Um pé e meio atrás


Livro: "O senhor da chuva" (2001), de André Vianco, lançado pela editora Novo Século.

Uma poça de água com mil peixes dentro: É assim que posso resumir O senhor da chuva, o primeiro livro do já consagrado escritor André Vianco. Depois de tanto ouvir opiniões destoantes em relação a esse livro (que iam desde ótimo até ridículo), resolvi dar o meu próprio veredicto, mesmo que já com um pé e meio atrás. 

O que tive foi uma experiência enfadonha que me fez desistir de ler na página setenta, mas que acabei retomando por questão de honra. A experiência se repetiu, e só posso dizer que essa obra faz jus ao título de "livro de estreia" do autor. Isso porque mostra a inexperiência de André de modo a quase ser um livro feito simplesmente com o intuito de exibir o amadorismo dele, a começar pela capa. Pode repetir o quanto quiser que não se deve julgar um livro pela capa, mas os pixels estão estourando na imagem do anjo! Anjo esse que, convenhamos, não tem um pingo de relação com os anjos citados no livro. Até hoje me pergunto se a capa traz um anjo, um demônio, um vampiro ou a Samara Morgan, d'O Chamado, com asas.
Se você conseguir passar pela capa (que ainda traz, junto da contracapa, um slogan bem furreca), o que você encontra são personagens e mais personagens sem a menor profundidade — a analogia do início dessa resenha se refere a isso, aliás. Dezenas e mais dezenas de pessoas e seres místicos com nomes pouco inspirados e nada condizentes com suas naturezas são retratados de modo tão vago que fazem um boneco de palito parecer profundo. Tive a impressão de ver quase todos os humanos d'O senhor da chuva sendo usados como meros bodes expiatórios para que a batalha entre anjos e demônios aconteça. Sendo esse o caso, que pelo menos essas criaturas tivessem profundidade, pô. Mas não: André prefere abençoar as cenas de ação com riqueza de detalhes. Cenas de ação, aliás, que em muitos casos acontecem em meio a diálogos evitáveis e escolhas absurdamente idiotas ou previsíveis dos personagens. Um exemplo? Praticamente todos os demônios retratados no livro são criaturas movimentadas puramente pelo ódio, o que faz com que ajam como perfeitos idiotas. Não que os anjos do livro ajam espertamente, mas...

Falando nisso, esqueci de me ater ao enredo. Pois bem: A história trata de Gregório, traficante paulista, que quase morre depois de uma tentativa frustrada de enganar compradores. Quer dizer, na verdade ele morre, mas o  anjo Thal — que se meteu em uma briga de quase-morte com demônios em um plano paralelo ao nosso — possui o corpo dele para que ambos se mantenham vivos. Essa ação proibida do anjo faz com que a trupe de Lúcifer tenha direito a uma briga de porta de escola de proporções homéricas. As preliminares dessa batalha (e a batalha em si) são o resto do enredo, que conta com uma ode desnecessária à natureza do vampiro (que mostra, sem dúvidas, como André era amador e colocou um parágrafo gigantesco para homenagear os vampiros só porque lhe era conveniente, enquanto no livro inteiro só encontramos um mísero e desimportante vampiro) e também com um final surpreendentemente forçado e decepcionante. E fim. E depois do fim tem o e-mail do escritor, que quase usei para pedir que reescrevesse o livro.

Esses dias li dois capítulos de O caso Laura, livro de André Vianco que se mostrou muito superior a O senhor da chuva — claro, depois de mais de dez livros deveria sair alguma coisa boa. Em algumas décadas já vejo o autor negando a existência desse primeiro livro, de tão dispensável que é. André aprendeu a lição com o tempo, mas logo acrescento: Primeiro livro não é desculpa para livro ruim. Hugh Laurie (o ator da série House M.D.) escreveu um só livro e é espetacular. Mesmo assim, dou um desconto. Mas só porque você fez a lição de casa direitinho, André.

Aposto que você não sabia... que O senhor da chuva é, na prática, o segundo livro de André Vianco. Segundo sua entrevista no Programa do Jô, o escritor disse que, após as boas vendagens de Os sete, resolveu colocar na capa de seu primeiro livro os dizeres "Do mesmo autor de 'O senhor da chuva'". As pessoas, então, começaram a ligar para as livrarias pedindo a obra, o que praticamente obrigou a editora a lançar o livro. Àquela época, André Vianco, como escritor, era um ótimo marqueteiro.

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