28 de julho de 2012

O diário de Bruce Stancatti


03/04/2222

      Querido diário.

      Já não escrevo com tanta frequência assim para poder te chamar de diário. Como é sabido, coisas demais estão acontecendo para que eu pudesse manter qualquer regularidade.
      Minha pele, a esta altura, já está escamosa e em um tom parecido com o da carne de um salmão. Doses absurdas de esteroides injetadas em meus músculos quase que diariamente estão deformando meu rosto e corpo. Intensas baterias de exercícios nesse complexo fazem com que minhas articulações não atrofiem e se tornem inúteis, afinal... sou uma máquina de guerra. Um monstro, melhor dizendo. A guerra só gera monstros.
      Meu pai ainda tem qualquer tipo de apreço por mim, e por isso volta e meia ele me deixa desabafar aqui, só para – acho eu – ele ler depois. Minha mãe continua entubada, vivendo através de computadores. As pessoas do orfanato, do abrigo, da igreja... nunca mais ouvi falar deles. A sensação de estar sozinho em meio a um exército de criaturas semilúcidas é agoniante.

27 de julho de 2012

Desabafos mudos mudam o mundo ?


A incapacidade em lidar com a mudança anda me deixando perplexo... Assusta ver frases como "Se era verdeiro não teria acabado!" ou então a clássica "Se fosse amor nao teria terminadao!",sendo compartilhadas em um quantidade tão grande... Vivemos uma epoca em que muitas pessoas tem uma preferencia maior por acreditar que viveram uma mentira,que foram enganadas,que se engaram, do que por aceitar que algo mudou,ou acabou.

"Que mundo é esse que ninguém entende um sonho ?! Que mundo é esse que ninguém sabe mais amar? Pra tanta coisa que faz mal eu me disponho... "

26 de julho de 2012

Acorda

Acorda, pula da cama!
Tira o pijama e acende o fogão!
Quem sabe um café bem coado,
um leite bem quente pro seu agrado,
consigam assim te tirar do colchão.

Depois lava o rosto,
essa cara amassada,
amanhecida e tão gasta,
com a qual eu sonho todo dia em vão.

22 de julho de 2012

As despedidas e o retorno.


Acho que alguns de nós não sabem se despedir... Corações entregues,promessas quebradas,pedidos aceitos e depois contraditos em questão de pouco tempo,coisas comuns que as vezes precisam acontecer mais de uma vez para que a lição seja aprendida se é que algum dia será. É um mundo muito grande por ai e as pessoas se perdem facilmente,algumas vezes em si e outras vezes em outras pessoas e até em algumas situações problemáticas. Espero que o mundo não engula teus sonhos,que perdões existam e que a maturidade algum dia venha junto com o tempo te trazer um cobertor para aqueles dias frios em que eu estarei longe de mais... Que os anjos venham com suas vozes muito mais afinadas que as minhas para cantar aquelas coisas melosas que eu costumava cantar. Que os teus passos sempre te levem para algum lugar,mas que nunca te conduzam para além das boas lembranças que devem existir em algum lugar do tempo.

21 de julho de 2012

Não tente me impedir

Vou sumir.
Não tente agora insistir,
o tempo se foi e a ilusão fugiu
e nem ao menos resistiu à decepção
causada por você e nosso amor.
Não tente me impedir.

Vou chorar.
Em cada madrugada fria
por não poder te amar.
Nos corredores longos e sacadas,
testemunhas de nossa paixão desenfreada.
Não tente me impedir.

17 de julho de 2012

Algo além de amor

08:00
Oito da manhã
Pássaros na luz do sol
No pé de maçã

10:00
Você me liga
Fico quieto na linha
Você nem liga

Manhã no bar


Parei naquele bar de esquina
Pra tomar um bom trago
E comer um gorduroso torresmo.
Eram apenas 9 da manhã
De uma terça-feira cinzenta.

14 de julho de 2012

Ozzy & Sharon

I don't know what I'm doing,
All I know is I don't wanna stop.
("I don't wanna stop", by Ozzy Osbourne)














                                                              


É assim que chamamos as duas: 
Ozzy e Sharon. Ou melhor, referimo-nos a elas desse modo. Creio que a chefe ficaria brava de me ouvir chamá-la de Sharon.

            Todos aqui do Little Wonder suspeitam das duas. MarieOzzy – é a subordinada: Chegou aqui como uma reles garçonete de uma boate gay e logo já estava dançando no balcão e cantando “Total Eclipse of the Heart” no palco. Lady Starbuck – Sharon – é a chefe que havia contratado aquela morena baixinha que logo se tornou grande lá dentro. Não há uma alma aqui dentro que não diz que as duas têm um caso.
            Demorou pouco para Marie – que quando chegara era só uma garota de dezoito anos que precisava de dinheiro, mas que tinha corpo o bastante para ser muito mais do que uma garçonete – ascender diante de nossos olhos pelas mãos de Lady Starbuck. Eu e mais uma dezena de transformistas vimos aquele fascínio lésbico mútuo nos ofuscar, e se não fosse pela simpatia de Ozzy e pelo pulso firme de Sharon, já teríamos feito um motim.
            Quando abrimos nossos olhos cheios de maquiagem, Marie já era um astro.
            Enquanto fazia seu show no Little Wonder, rendeu-se a uma casa de prostituição de Lady Starbuck, onde ganhava dinheiro o bastante para comprar um apartamento em um dos prédios mais seguros dessa guerra, mas ela preferiu se unir a nós em nossa sede num edifício abandonado. Não era um lugar muito seguro, mas protegia as mais variadas opções sexuais de temidas represálias de milícias e gangues anti-GLS.
Não sei direito o que Lady Starbuck – uma cinquentona adolescente de cabelos encaracolados tingidos misteriosamente em vermelho “Rose do Titanic” – via em Marie (a não ser um caso, mas se esse não for o caso), mas de repente essa garota estava ao lado dela a todo momento. Veio-me à cabeça que ela pudesse estar treinando Marie para ser a nova Lady Starbuck – como, reza a lenda, a própria mãe dela foi –, mas ela ainda tinha muita lenha para queimar e não se renderia com meros quarenta... Ou cinquenta...? Lady Starbuck era uma personagem mítica, não tinha idade: Era imortal. Ela não se renderia de modo algum.
A não ser que acontecesse alguma tragédia na guerra. Mas bati na minha boca antes que eu pudesse dizer isso em voz alta.

Agora Ozzy está fora.

          Marie Manson era uma estrela holandesa pronta para explodir em uma supernova e dominar o mundo. Um homem de negócios americano, mês passado, propôs um papel protagonista em um filme pornográfico que, segundo ele, seria de “grande expressão”. Ela e Lady Starbuck estavam no camarim ao lado quando ouvi essa conversa. Estava colocando aquela volumosa peruca azul-marinho sobre minhas madeixas ruivas, passando pó na cara e tentando parecer uma mulher sem parecer uma Barbie enquanto o contrato era discutido por ambas as partes (afinal, àquela época Ozzy e Sharon já eram uma pessoa só). Colocando meu vestido de cetim e adquirindo a identidade de Stella Vie, ouvi os cumprimentos finais depois de o contrato ser assinado. Enquanto colocava minhas luvas, o trio passou por meu camarim – já com a porta aberta – e nossa Sharon parou por um segundo no batente para me mandar um beijo com sua grande e sorridente boca. Mandei outro com tudo que eu podia, mas senti um calafrio que me inebriava no momento. Não tinha nada a ver com o filme que Marie estava para gravar. Tinha a ver com Lady Starbuck.

            Espanei os pensamentos ruins da cabeça e comecei a aquecer minha voz. Aquela era a minha noite. Depois de muito tempo, aliás, tive uma noite só minha: Marie roubava praticamente todas.

Fim.

            Dois dias depois me peguei pensando porque escrevi esse conto sobre as duas. Um conto tão sem começo, meio ou fim. Seria a mesma angústia que me preocupa em relação a Lady Starbuck? Seria só vontade de deixar a história dessas duas para o futuro? Ozzy e Sharon têm uma invejável história que talvez eu vá escrevê-la toda, se elas permitirem.
            Por enquanto, elas ainda a estão escrevendo. Então, que fique por isso. Espero daqui a alguns – muitos – anos poder contá-la inteira.

11 de julho de 2012

A mandinga do mendigo


           Um morador de rua, em um desses dias tão ensolarados que você não espera que nada de ruim aconteça, gritou com uma moça que passara por ele com desdém, chamando-o de sujo. O homem barbado e desgrenhado – evidentemente sujo – levantou-se com velada dificuldade e gritou com sua voz rouca e igualmente suja:
            — A nossa única diferença é que sua sujeira não tá na pele.
           
Aquela moça, coitada, não deu importância para o que ele disse. Mas, como um vírus pretensioso que se aloja na mente, a frase cresceu e se multiplicou no vazio dela. Uma mulher – sim, já era uma mulher – que de desfez da cultura e da formação para prostituir sua moral em troca de dinheiro estava infectada pela sujeira daquele mendigo. Quando ela percebeu, a frase ricocheteava tão forte na cabeça dela que começava a fazer sentido.

Quando ia para a cama com seu chefe, sentia uma irritação tão repulsiva na pele que não conseguia ficar na cama dele por muito tempo. Quando ia à casa de suas amigas de fachada, sentar no sofá delas pinicava sua tez a ponto dela arrancar filetes de sangue de seus braços.
Seu próprio escritório não era confiável: Embora tivesse pedido no mesmo dia para que a faxineira desinfetasse três vezes seu local de trabalho, a coceira continuava.
Banhos e mais banhos. Pele e mais pele no ralo.
Ela cortou as unhas para que não se mutilasse mais do que já havia feito.

— Sua sujeira, moça, ‘cê esconde onde vive.
O mendigo continuou o raciocínio alguns dias depois, quando ela tornou a passar por ele. A moça ameaçou pisar nele com seu salto agulha, mas não queria ir presa.

Mais um vírus havia sido instalado. Ela notou, afinal, que toda sua vida promíscua – e a vida desprezível das pessoas com quem mantinha contato – estavam escondidas em sua casa, em seu escritório: Embaixo de seu colchão, dentro de suas gavetas.
Trocou a mobília da casa e mudou de escritório. Melhorar a conduta, nem pensar. Mas a coceira continuava.

— Só me pede desculpa.
O mendigo implorou, ajoelhado, e ela simplesmente estapeou o rosto dele, depois pegou um frasco de álcool gel e desinfetou a mão.
Ele, insistente, continuou:
— Nada vai te limpar enquanto tudo for traição.
Ela foi embora.

Ela havia se tornado mais sensível à sujeira moral alheia. Andar na rua já era algo complicado demais para a moça executar. Começou a frequentar religiões para se ver livre da mandinga do mendigo. Banhos de ervas e leituras da Bíblia de nada adiantavam.
Não era isso que ia limpá-la, pensou em um momento de lucidez.
Desistiu do caso com o chefe. Foi despedida, mas a consciência começou a ficar menos nebulosa. Resolveu fazer uma faculdade, voltou a falar com os pais. Começou a fazer amigos de verdade. Mudou sua vida inteira.

Em um dia chuvoso, daqueles que você espera que dê tudo errado, ela passou pelo mendigo. Olhou fundo nos olhos dele, e o mendigo viu que os olhos dela estavam diferentes.
A moça se aproximou, ajoelhou à frente dele. O morador de rua esperou que ela falasse alguma coisa.
Ela, por sua vez, pegou um canivete e retalhou o rosto dele.
— Você acabou com minha vida. Eu tinha tudo que uma pessoa sempre quis. Você me fez abdicar de tudo por uma vida medíocre, seu inútil.
— De nada.
Assim ela foi embora. A mandinga, não.

9 de julho de 2012

Fim do mundo / (Postagem bônus)



Mal começou o dia e li no jornal que era o fim do mundo. Como proceder?
Aproveitei o que havia na caixa d’água para tomar banho, escovar os dentes e fazer o almoço, afinal a companhia de saneamento básico da cidade já havia cancelado suas operações. Abri a geladeira, depois a despensa e me desesperei: Não havia mistura pro almoço!
Nenhum mercadinho estaria aberto, era o fim do mundo. Nem padaria, nem mercearia... Nada. Tive que tomar um gole de coragem e fazer algo que nunca havia pensado em fazer: Falar com meu vizinho.
Bati à porta dele, arranjei uma pequena conversa e, no fim, saí da casa dele com quatro ovos e uma cebola. Última refeição: Omelete. Nada mais digno do que o primeiro prato que aprendi a fazer na vida.

Ligaram do meu trabalho me demitindo, afinal era o fim do mundo. Era estranho pensar que eu tinha o dia livre e, depois dele, não teria mais nada. A verdade? Resolvi fazer o que nunca fiz. Já havia falado com o vizinho, o resto era lucro.
Marquei uma cervejada com a turma do trabalho. Nunca fui com a cara deles, mas no fim do mundo todos são mais solícitos. Até meu chefe resolveu ir.
No bar, conversamos muito sobre futebol, modelos de carro e arriscamos até falar sobre religião enquanto havia vários profetas nas ruas gritando que o mundo ia acabar. Se trabalhássemos unidos daquele jeito, nossa empresa teria dinheiro o bastante para salvar o mundo – falei, desculpa.

Voltando para casa, já com a visão turva e dois ex-companheiros de trabalho igualmente bêbados me escorando, passamos em uma academia onde umas cinco garotas discutiam a viagem que fariam para o Canadá como se o mundo não fosse acabar. Antes de elas irem para o Canadá, no entanto, elas deram uma parada em casa. “Vai ser a última festa das nossas vidas”, foi o que disse para convencê-las.
Peguei minha extensa agenda telefônica e comecei a ligar para os contatos. Impressionantes cem pessoas lotavam minha casa até o fim da tarde. Eu, que nunca havia sido popular, tinha agora uma casa cheia de gente bêbada, dançando em cima do sofá e trucando aos berros. Acho que já dava para morrer feliz.

(...)

Ou melhor, não. Satisfiz a vontade de muita gente, faltava a minha. Puxei uma desconhecida para o meu quarto e transei como nunca antes. Chamei alguns desconhecidos e saímos cantando “Wonderwall” pelados na rua. Enchi meu carro com umas sete pessoas e fomos até o litoral. Empurramos uns aos outros na água, fizemos muitas outras amizades, cantamos muito à beira do mar.

Agora são quase onze horas. Estamos jogados na areia – como mais umas centenas de pessoas – e o álcool parado no organismo fez o sono bater. Tenho medo de dormir (bocejo) e nunca mais acordar. Tantas pessoas que conheci, tantos problemas que ouvi, tantas (bocejo) risadas que dei... E tudo vai deixar de existir quando der meia-noite.
Uma solidão grande demais está mordendo meu coração agora. Vejo pessoas dormindo com areia grudada no rosto, mas sorridentes. Pessoas tão (bocejo) bonitas e prontas pra acontecer; tão interessantes e cheias de histórias pra contar. Criaturas perfeitas jogadas na areia como lixo vindo do mar - parecem até cintilar sob a lua. E estão sendo jogados fora. Desprezados (bocejo), descartados. Espero que saibam que pelo menos eu me importo com eles como vi que eles se importaram comigo hoje.

(...)

Deve ser o fim do mundo mesmo, estamos nos importando uns com os outros.
(bocejo)
Melhor eu dormir antes que eles acordem e nem olhem mais na minha cara.

(...)

A postagem bônus... bem, ela não é das mais ortodoxas. Você que tem menos de dezoito anos ou não tem a cabeça muito aberta não está convidado a ler, mas se quiser entrar de penetra a responsabilidade é sua.
Para quem já pode ser preso, o passe é livre. É só clicar aqui e aproveitar a estadia. Boa leitura!

4 de julho de 2012

Espelho torto

São três e meia da tarde.  
Eu acabo de acordar como uma máquina que depois de muito tempo desligada recebe uma carga elétrica sendo despertada a força.
Dez minutos.
Não quero apenas dez minutos a mais, tudo que eu quero é a eternidade.

O delírio da ausência de luz logo se desfaz enquanto abro uma fresta na janela e observo os raios solares invadirem meu quarto, parece que eu dormi por uns três dias seguidos, jogo o cobertor para o lado e não resisto ao odor carregado do abismo, o qual eu chamo de vida. Por um segundo algumas imagens completam minha mente, bebedeiras, som alto, beijos sem amor e novamente o vazio, o silêncio.

3 de julho de 2012

Vá ao mar!

Ao mar, ao mar!
Vá pra longe,
ruja forte,
suba alto,
rumo ao norte!

Navegar, navegar!
O suspiro matinal
das sereias sem par
nas águas torrenciais,
sobre ilhas virginais!

Ancorar, ancorar!
Baixe agora, marujo,
e limpe logo o chão sujo,
pra sereia embarcar,
e pra podermos cantar!

Vou amar, vou amar!
Ó, sereia tão singela,
dentre todas, a mais bela,
quero ouvir sempre tua voz,
que só faz me encantar!

2 de julho de 2012

Yin Yang

Despi meu amor
dos tons de vermelho.

Agora, ele está um pouco mais cinza.
Como a fumaça que sai
do cigarro que ela fuma,
ou então de seus pés descalços
após ela chegar da rua.
Até mesmo seus olhos,
aqueles belos olhos grandes,
cuja cor eu não sei definir,
mas que parecem bem cinza pra mim.

1 de julho de 2012

Paraíso pessoal


Os rostos passam como fotos
pelos nossos olhos cansados.

A gente se acostuma com isso,
aquele gosto insalubre, amargo,
que corrói o céu da boca
e entra pelo nosso cérebro.

A gente se acostuma, mas nem nota.

Quando vemos, já somos parte do todo,
daquele amontoado de gente
andando pra lá e pra cá.

Mas eu quero ficar.
Não quero mais fotos,
não quero mais cansaço,
não quero mais amargura.

Quero uma roupa limpa e clara,
um bom livro para ler,
e uma cama confortável.

Quero reclusão.

Se o inferno são os outros,
prefiro meu paraíso pessoal.