24 de agosto de 2013

Cronoscópio

                                                                                          Asas Escuras.
original

Bocejo.
Pausa para lavar o rosto.
Meus olhos ardem toda manhã.

Barulho, estopim e um suspiro.
Resquícios de gás tóxico.
Náusea.

22 de agosto de 2013

Outra noite em casa

Outra noite em casa - Poemas - Mínima Ideia

Assisto a tv sem realmente ver o que passa.
Meus olhos estão quase fechados,
Já é madrugada e eu estou cansado,
Mas sem sono.
O sono não vem como a solidão,
Que aparece sorrateira,
Se instala na vida,
Como a barba que cresce na gente.
Não, o sono não vem.
Resolvo olhar a geladeira,
Pra pensar um pouco,
Afinal, não tem nada nela há tempos.
Talvez algum alface murcho que ela deixou.

Não tive coragem de jogar fora.

As lembranças são muitas,
Mas fogem da cabeça se não tiverem ajuda.
E o alface ajuda.

Ajuda a lembrar que ela não está aqui.

16 de agosto de 2013

O engraxate

O engraxate - Poemas - Mínima Ideia

Estava andando lá no centro.
É um lugar interessante, o centro.
Tem muitas pessoas.
Não que eu goste de muitas pessoas,
mas as de lá são interessantes,
como o centro.
Havia um engraxate lá,
trabalhando pouco,
mas mantinha a pose.
As pessoas não se importam
mais com os sapatos hoje em dia.
“Vai uma graxa?”
E nada de ir.
E ele continuava lá,
empertigado com sua caixa de engraxate.

13 de agosto de 2013

O Que Eu Bebi.



 Aqui vai mais um texto em prol da memória de desamores e suas curas, sempre em embalagens sedutoras e cada vez mais atraentes. Você tem a minima ideia de quantas semelhanças existem entre um corpo de mulher e as formas das garrafas das bebidas que vão no seu drink favorito?! Esse texto aconteceu durante uma bebedeira das boas e foi embalado por uma conversa a respeito do meu assunto preferido: Mulheres. 
Atenciosamente, 
do seu amigo, Wolf.


Bebi por causa da poesia, da saudade, das moças. De todas elas que ainda insistem em se fazer presente em minha mente depois que tanta gente gentil já partiu! Foram todos tragados por meus tragos enquanto ficava com o coração em trapos. Panos que elas usaram pra secar os prantos enquanto dividiam-me em partes pra que cada uma pudesse pensar em mim como um porto particular.

Bebi sozinho e acompanhado.
Bebi quietinho e também irado. 
Bebi tudo o que eu vi, 
que foi achado. 
Bebi do Tucuruvi 
até aqui do lado. 
Bebi o que eu senti e me foi mandado. 

Bebi as lagrimas e o sangue, 
o leite da lua e a  água do mangue. 
Bebi até vodka barata misturada com Tang.

Era tanta sorte e ao mesmo tempo tanto descaso 
que não podia ser só obra do acaso. 
Era a porra do destino rindo daquilo que eu faço. 

Não quis saber de noticias, eu dizia: 
-Um copo que me conte. 
Não sabia se jogava na mega sena ou se me jogava da ponte.

10 de agosto de 2013

Nova


original: http://possim.deviantart.com/art/blind-277092558

Você tem a mínima ideia da beleza que nossos olhos perdem todos os dias?  Observe os detalhes.

Era velha e vazia.
E isso a definia bem,
sem memórias e ninguém.

Seu teto era mal acabado,
seu chão sujo e escarrado
Esboço do vivido fardo.

Orgulhosa demais para se entregar,
até o pó insistia em lutar na permanência.
E mesmo sem a vida ter plena consciência,
no retalho do chão ela estava a verdejar.

Peça do acaso ignorando todos os fatos,
ela crescia embelezando o ultrapassado,

Trazendo esperança neste coração pisado,
Raiando esplendorosa pelo céu de maio.

9 de agosto de 2013

Home sick home (momentos a sós, parte 2)

Detalhe da capa de "Album of the year", do Faith No More.

      Momento 1
      Uma paixão por dia. É assim que segue a vida volúvel de um solteiro que quer ficar nessa condição. É amor intenso que acontece entre vinte e quatro horas, pois não se sabe como será o amanhã.
      Cada conversa no ônibus é tratada com a voracidade de um arranca-roupas do bom e velho entra-e-sai. Cada olhar que se encontra é certamente uma nova oportunidade se abrindo feito leque.
      A sensação de um dia após o outro é latente quando se está só.
      Porque quando se está só, a luta para encontrar alguém é constante, é o leão de cada dia. Acordo sozinho toda manhã e me preencho do fogo das amostras grátis de amor. Chega a noite, o calor do Sol se vai assim como o calor desse mesmo fogo, e a cama é um aparato vazio, quase a forma sólida da melancolia.
      (Com sorte dá para arranjar um "boa-noite", e aí o colchão se torna um pouco mais morno.)
      Mas isso não é ruim, e faço dessas palavras de Gustavo Gitti as minhas:

"Observe o que acontece em um banho gelado. Ao enfrentar uma temperatura mais baixa, em vez de receber, geramos calor. O desconforto ativa aquilo que sempre esteve presente: nossa própria fonte de energia, calor, intensidade, tesão, potência, amor, paixão, segurança, confiança. O frio nos ativa, desentope, esquenta."

      Eu odeio inverno e ainda tomo aquele conhaque para enfrentá-lo. Mas o frio interno é combustão plena.

      Momento 2
      Estou escrevendo para mim mesmo e foda-se.
      (Ai, como sou rebel rebel.)

      Momento 3
      Hoje peguei o ônibus errado pra parar no lugar certo: Na rua de sua casa. Não é a primeira vez que faço isso e não será a última. É um pouco doentio, sim, assumo, mas é doença crônica, daquelas indissociáveis de nós. A cegueira de Stevie Wonder, a má-formação das orelhas de Paul Stanley, a dislexia e o DDA de Ozzy Osbourne: Coisas que não saem de nós nem se sairmos delas.
      Saí de sua casa, mas ela não saiu de mim. Deixei você, mas você não me deixou.
      Lar, doente lar. Ele é a minha cura.

      Momento 4
      Coloco a mão no bolso e sinto que ele está mais vazio: Desperdicei um "eu te amo". Foi para a pilha de descartes, mas talvez alguma carta de efeito a coloque de volta ao jogo.
      Mas é algo que pedi, quase ajoelhei e implorei para os deuses, e essa constatação piora tudo: Não se dá algo para quem não quer receber. O presente fica ali, à porta da casa, abandonado feito bebê na cesta. Apodrece feito fruta na cesta. Some feito marido na sexta. Tem gente que é muito melhor sozinha, e tenho que conviver com essa informação.
      É o que resta, pois gente assim é um porre.
      Um porre que tomo com prazer quando quero dormir num sofá vazio no fim da noite, quando a noite acaba ao meio-dia e o tempo deixa de existir (então dane-se esse meio-dia aí).
      Tudo está de cabeça para baixo e meu bolso se esvazia. Prometo a mim mesmo que a próxima jogada será mais, hã, prudente.

7 de agosto de 2013

Recusa

Original: http://goo.gl/6Go7GT

i.

    Você veio e se sentou ao meu lado naquela manhã. Viu que eu não comia há semanas e estendeu, descompromissada, o saquinho de batatas fritas à frente de meus olhos famintos. Sorri e recusei, por humildade imposta. Você insistiu e acabei pescando duas ou três.
    Demorei meses até poder voltar a comprar o lanche no intervalo da escola. Meus pais voltaram às atividades normais até Julieta nascer, com direito a uma promoção inesperada no escritório da minha velha e tudo mais. Despesas em dobro, salário em dobro. As coisas estavam caminhando.
    Enquanto não caminhavam, duas ou três batatas fritas para enganar o estômago e satisfazer minha fome de viver.
    É fácil se apaixonar na quarta série, e foi o que aconteceu.

ii.