25 de fevereiro de 2012

Rito

                                                                         Leticia Gonçalves

“É muita coisa,
 coisa demais para aguentar, você alguma vez já se sentiu assim?
 É tudo e é nada.
 E nesse marasmo entre o vai e vem das ondas, você só deseja uma coisa, estabilidade.
 E que tudo por um momento ou seja totalmente construído, ou plenamente destruído.
 Não tá fácil para ninguém Rafaela..
beijos “ 


Amassei o papel que ainda cheirava bem, coloquei-o no bolso da jaqueta.
Cansei de olhar para aquele apartamento que deixei à deriva, a desordem reinava no local e tudo que estava no caos não era por acaso. Existiam cartas jogadas no batente da porta e uma fileira que organizei na mesa de jantar ao lado da minha sempre aquecida xícara de café, tais cartas me lembram de situações amarguradas, principalmente por palavras não ditas. Escrevi, porém nunca vou mandar.

20 de fevereiro de 2012

Crônica



Todo dia é a mesma coisa.
Sento na minha poltrona, tento achar a posição mais confortável possível (para eu não me preocupar com ela depois) e solto o ar. Inspiro fundo, expiro com precisão. Duas, três, quatro vezes, até eu sentir que estava engolindo oxigênio e não gordura humana.

- Todo esse processo é só para que eu me sinta mais leve e relaxado. Isso não é nem metade da Missa.

Relembro o ocorrido. O que foi dessa vez? Um sonho? Um esbarrão na rua? Uma fofoca?
(Tempo para pensar.)
Uma foto.

Eu devia ter uns doze anos naquela foto. Nem pelo na cara eu tinha. Era uma festa de aniversário de uma colega de classe minha lá do Ensino Fundamental. Ela resolveu digitalizar a foto e colocar em suas redes sociais com todo aquele discurso Shakesperiano de saudades, compartilhado por outros ex-conhecidos meus. Para eles era só nostalgia, aquele pensamento de “bons tempos que não voltam mais” salpicado com folhas de falsidade e algumas gotas de “reunião na casa de alguém para lembrar os velhos tempos”.

Agora começa o tratamento.

Belisco minha barriga com força. Tento desviar qualquer impulso nervoso para aqueles milímetros de pele sendo torcidos e espremidos pelos meus dedos. Enquanto isso, lembranças calmamente rastejam até algum orifício descoberto em meu cérebro aonde possam entrar.

- Volta e meia há um buraco no cérebro por onde entra sujeira, poeira, um pouco de lágrimas e lembranças que não entrariam amigavelmente nele.

Minha respiração está acelerada de novo. As lembranças tomam conta de mim e no espelho à minha distante direita estou eu, sem pelo na cara e com um sorriso bonachão. O uniforme da escola veste meu corpo ainda sem nenhuma escoriação do tempo. Eu parecia feliz ali, mas essa visão tremulava enquanto os impulsos nervosos iam para a dor.
Em pequenos flashes, amigos e amigas daqueles meus doze anos surgiam no espelho, me abraçando, jogando bola comigo...
Pego o canivete no meu bolso. Posiciono a pequena lâmina na palma da minha mão, um lugar já calejado pelo tratamento. E começo a pressionar.
O espelho me mostra com dezesseis anos, com minha primeira namorada. Mostrava todos os momentos bons, ruins... o término, a volta, o segundo término, o bis... até rompermos definitivamente depois dela ser assassinada por três ou quatro moleques de rua com facas butterfly.
O sangue começa a molhar minha mão. As lembranças invadem meu cérebro como uma larva invade uma maçã.
O reflexo é cada vez mais nítido naquele espelho de corpo inteiro. Vinte anos, todas as garotas promíscuas com quem transei. Vinte e um, vestindo a beca para a colação de grau de História. Vinte e seis, casando com o amor da minha vida. Vinte e oito, decidindo se o nome da filha será Joana ou Rafaela.
E minha mão... ah, minha mão... Ela se torna a mão de Jesus. Crucificado. Trazendo a danação à minha alma banhada em sangue impuro.
O tratamento não funciona. A dor já não existe. As lembranças são tão vívidas que parecem me tocar. Elas andam para frente, encontram comigo, baforam em meu rosto suado. Os sessenta anos já estão sentados comigo, lixando as unhas enquanto eu tremo na poltrona quase serrando meus ossos.
Então, antes que meu cérebro apodreça, enfio o canivete em minha coxa magra. E sinto dor. E as criaturas que roçavam minha pele começam a se recolher naquele espelho. E em pouco tempo... estou só de novo.

Olho minha mão cortada. Vejo o sangue ainda sair fervente da abertura. Estanco com alguns bons centímetros de gaze. Deixo a coxa sangrar, quero continuar sentindo essa dor. Todos os tratamentos e remédios tinham pouco efeito em mim, aquilo era o melhor para esquecer a enfermidade.

Em algum dia do ano retrasado visitei um templo budista, onde um monge, depois de ouvir muito sobre minha vida e ver metade da água do meu corpo ser expelida em lágrimas, finalmente diagnosticou minha doença crônica. O que me fazia sofrer, o que me fazia querer o suicídio mesmo depois de uma história como a de qualquer um que se denomine ser humano.

- O que, às vezes penso, não é meu caso.

Ele esfregou as mãos uma na outra, e com uma seriedade irritante, disse uma palavra. Uma só palavra que eu negava a cada dia que passava, acendendo velas e queimando fotografias. Como aquela doença que sabe que tem, mas quer negar, achar que é placebo, coisa da cabeça.
O problema é quando essa coisa passa de uma cabeça para outra. Aí ela se torna inegável.

Inegável como o Passado.

P.S.: “Passado” com letra maiúscula, mesmo. Muitas vezes ele tem mais poder e vida do que eu, então nada mais justo.

P.P.S.: E nomes próprios são bons para termos certeza do que vamos odiar. Ou de quem, nunca se sabe. O ódio está no ar, é só respirar para sentir.

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Poxa vida, gente! Esqueci de avisar:
Dia 28 de Abril, um sábado qualquer, haverá o lançamento do livro Equinócios de Amor, pela editora Alcantis, uma antologia de catorze contos sobre... bem, vocês já entenderam.
E adivinha quem tá lá? Quem? Quem?
Bem, vocês já entenderam de novo.

Pois bem, olha que oportunidade incrível! :D
Bem, só tou avisando pra mor de vocês comprarem o livro, afinal é mais Mínima Ideia para vocês, e impressa!

É isso aí. Uma boa segunda-feira a todos!

15 de fevereiro de 2012

Among my thoughts


"Fetch me the dreams
I've dropped along the road;
All the words written in crimson
Ink drops blurred as blood."

Foi o que ela leu e não pôde entender.
Não por causa do idioma,
mas porque não conseguia ver.
 
Palavras são pesadelos para quem não sai da cama.
Engolida entre seus pensamentos
de gente que sofre, mas não ama.

"You've yet burnt Love from
the staring flash of my eyes.
I am nothing but a glance
of an everlasting demise."

Tristes e risonhas inscrições na parede
Saíam dela como bichos
raivosos e cheios de sede.

Sede da imensidão de uma existência frágil
Que, doce como um beijo,
some dos lábios em um gesto ágil.

"I'll be finishing my last letter
with the best farewell I could ever say:
May your lights be enlightened
by the days in which for you I pray."

Retinas desfocaram, era o abrupto fim.
Nele havia esperança
ou qualquer sentimento que a fizesse dizer “sim”.

Só que ela não sabia mais falar.
Todos os segundos de sua vida
a fadavam a esperar.

Esperar por uma conclusão, uma razão.
Esperar por uma frase feita, uma palavra direita.
Uma conexão. Com seu coração.
Um pensamento. Seu sustento.

(...)

E essa é a história da jovem que foi amaldiçoada com o poder de ter as respostas que quisesse em sua mente, mas não poder compreendê-las.
Ela deve estar pensando até hoje. Em quê, ninguém sabe.
Nem mesmo ela.

14 de fevereiro de 2012

O dia do amor?


'Cause it´s a beautiful night
We´re looking for something dumb to do
Hey baby,
I think I wanna marry you.



"E tudo bem não estar namorando hoje... e tudo bem não ser o dia dos namorados no seu país... Hoje é um dia comum, ou você pode chamar de feriado comercial americano... mas sabe, hoje também é um bom dia pra pensar em alguém de quem você goste bastante, alguém com quem você se importe, alguém que você ama, já amou... e todas essas coisas. Mas se estiver com alguém, também é um bom dia pra fazer essa pessoa se sentir especial.

12 de fevereiro de 2012

Meio e fim

— Fala, vai!
— Não, esquece. É bobeira.
Era noite, era inverno. Não havia som algum perpassando nossos ouvidos, a não ser nossos corpos se aconchegando um no outro periodicamente para que haja um pouco mais de (ilusória) segurança.
— Fala logo!
— Está bem.
Garganta pigarreando até limpar. Mais peles roçando até o conforto.
— Fico pensando no fim. No fim de tudo, na verdade. Das histórias que todos vivemos e, eventualmente, têm um fim. Essas histórias parecem nunca começar, quando nos damos conta delas já estamos no meio...
— Não entendo aonde você quer chegar.
— Aonde eu não quero chegar. Nesse fim. Dá um receio de nada valer a pena no fim. Por exemplo — Olhos fixos uns nos outros. O brilho neles já era translúcido — O nosso fim.
— Credo.
— Não lembro como nós começamos. Foi tudo rápido demais, e quando fui ver estávamos no meio. E o fim sempre parece próximo toda vez que te vejo. E não é um fim muito bom, você deve saber disso.
— Mais ou menos.
— Sabe, sim. Só que, quando esse fim chegar, talvez não estejamos preparados. Pode ser algo chocante, traumatizante, arrepiante demais para que possamos tirar proveito desse meio. Vê-lo como algo bom, frutífero. E toda essa volta que dei só serviu para arranjar coragem para te fazer uma pergunta.
— Pois faça.
Silêncio. Pálpebras apertadas, abraço idem. O inverno parecia mais impiedoso naquele cenário emudecido. Agarrava nossos corpos e fazia a dor iminente e fatal como uma arma apontada para nossas cabeças.

— Pois bem. Se nosso fim fosse o pior fim possível, você veria esse meio como algo bom?
— Nunca.
— Porque..
— O fim só acontece porque o meio já acabou. E o fim (sabe, aquele momento da despedida ou do último xingamento), se foi bom deixa saudades, se foi ruim deixa mágoas. Além do mais — Saliva engolida, rosto encolhido — O meio levou ao fim. Fez parte do caminho, e também fica para trás com um pedaço do nosso coração.
— Hum.
Aquele silêncio tétrico mais uma vez. Não era a resposta mais adequada, mas não era o fim do discurso.
— Então, por coisas assim... prefiro que não haja fim. A porta sempre tem que ficar aberta, uma luz tem que sair ali do lado dela. Atrás de portas da vida como essa acontecem coisas fora do nosso conhecimento, e elas, estando abertas, nos dão a liberdade de espiá-las e talvez até entrar por elas no futuro. Só que quando uma dessas portas se fecha...
— Se entendi seu raciocínio, só poderemos olhar pela fechadura e nunca mais entrar, a não ser que ela seja destrancada por dentro.
— O que quase nunca acontece. E não sou gente de “quase”, prefiro não correr riscos. Então, se um dia notarmos que nossa porta está para se fechar, vou colocar meu pé no batente e deixar lá até a porta desistir. O fim não existe até o momento em que o queremos.

Silêncio. Desta vez, o ar estava mais limpo, mais puro. Nossos corpos já não estavam tão tensionados e arriscávamos o movimento de um dedo ou outro para acariciar a pele companheira.
— Tudo seria mais fácil se tivéssemos o começo.
— Faria sentido demais. O meio pareceria tão natural quanto o fim, perderia a magia. Nossa vida não é linear, é um corredor cheio de portas por onde transitamos toda hora. Não temos começo e fim, somos um eterno meio. Até a porta fechar.
— E não vai, pode ter certeza disso. — E o inverno já parecia algo agradável.

7 de fevereiro de 2012

Cupido, Eros...



Nem o Cupido sabia
que poderia ser tão certeiro
e que sua flecha,todavia
poderia abrir um desfiladeiro

de modelos desfilando
desfiando do último ao primeiro,
de heróis se desafiando
pelo único prêmio verdadeiro,
de poetas destilando
o seu veneno derradeiro...
E se o Cupido tivesse sabido,
teria sido mais gentil?
Me pergunto pensando perdido
porque foi descer de seu céu azul anil?

Que é mais perfeito e polido
cem vezes,que este maldito canil.
Será que foi por ter assistido
algum desenho infantil?
quis o Cupido bandido,
ter me contido em amor servil?

Foi despertar o maior dos problemas
e acordar o que fingi ter matado.
Tivesse me trazido 100 Helenas
e a maldita Grécia toda teria enfrentado.
Mas foi flechar o desfecho de meus dilemas,
maldito Eros condenado!

Ai de mim, e do Cupido culpado
iremos sofrer nossos castigos em paralelo.
Psiquê teria se invejado
se conhecesse os olhos castanhos e nosso elo.

O responsável arqueiro alado
aliado em castigo ao escritor singelo
maldito Cupido safado
que me flechou pela dama de amarelo





Montila .Tanto faz.

4 de fevereiro de 2012

Trítono


“O que é que você colheu na vida, além de pedras?”
Stephen King, À Espera de um Milagre

I

Oscilo em minha própria luz,
Clamando pelo mais doloroso dos fins.
Não sei quando devo parar,
Mas isso já não pertence mais a mim.

De que vale um relógio sem corda
Ou um coração sem sangue para despejar?
De que vale a perfeição da silhueta
Quando a sombra sem vida está.

Essa é a sina que não quero mais carregar,
A missão para abortar,
A vida para renegar.

II

Prantos.

Atrás de mim há um milhão de suicidas.
À minha frente, um milhão de pecadores.
À minha direita, os homicidas;
À minha esquerda, os perdedores.

O julgamento desce do Céu para nos levar ao Inferno.
A multidão continua a caminhar pela estrada sem fim.
“Antes”, dizia um homem em vestimentas pretas,
“Nesse lugar habitavam nada mais do que mil manequins.”
“Agora”, continuava o homens de olhos divagantes,
“Não há mais espaço para o pecado nesses confins.”

Lá embaixo, várias almas eram queimadas
Pelas minhas mãos a maldição foi escrita.
Em uma fração de eternidade a vida foi encerrada
Acorrentam-me e deixam-me à deriva.

“Você não esperava um banquete para sua chegada”,
Ironizava o homem em um turbilhão de visões.
“Você é só mais um no meio da floresta;
Te darão um número e retirarão suas razões.
Afinal”, falava o homem que parecia cada vez menos real,
“É melhor que você perca a esperança diante das ilusões.”

O homem nunca sorria, não para mim;
Parecia não ter alma ou ter almas demais.
Encostou sua mão na porta do Abismo,
Segurou-me pela garganta,
Jogou-me no buraco sem fim,
Para eu não subir nunca mais.

III

Assumo, retirei minha vida de modo vil,
E agora peço a redenção.
Não a mereço devido à crueldade que cometi,
Mas imploro por uma oração.

Somente uma, que possa me lembrar do que fui
Antes de se esvair minha calma.
Que possa rememorar os sorrisos de minha vintena,
Antes do assassinato da alma.

Jovem demais eu esqueci a beleza do viver,
Sem qualquer noção de feiúra.
Essa é a cruz que terei para manter.

Essa é a sina que carrego com amargura,
Querendo uma chance de nascer
De novo para me redimir de minha postura.

1 de fevereiro de 2012

Fábrica de Idiotas



Desde pequeno te introduzem a ideia de que a vida é um jogo que não é bom perder.Você cresce aprende uma coisa ou outra, o bombardeio de informação que sofremos é constante e muitas dessas ideias de senso comum são inaproveitáveis. 

 

Então você motivado por esse sentimento que TE introduziram desde pequeno não quer ser mais um na massa, não quer fazer parte das estatísticas, você lê alguns livros, assiste alguns filmes, planeja algumas coisas e cria uma obsessão: Salvar! 

Você quer salvar o planeta.
Você quer salvar a humanidade.
Você quer salvar os animais.
Você quer salvar a sociedade.
Mas você sequer pode se salvar!