27 de junho de 2012

Todas as lágrimas da cidade em uma caixa de papelão


Conto inspirado em: Red Hot Chili Peppers - Under the Bridge (letra)

Estou embaixo da ponte. Sentado ao lado de um mendigo em uma daquelas caixas de plástico onde feirantes estocam suas frutas.
A coisa toda, na verdade, é sonho. É lúcido e palpável, ocorre toda noite, mas é um sonho.

O mendigo conforta sua cabeça em meu ombro e começa a chorar. Chora desesperadamente, toda vez. Chora tanto que até o céu se comove e também começa a chorar. Quando olho para as nuvens, elas têm o rosto murcho e tristonho do mendigo.
Ao fundo, não sei de onde, ouço um coral gregoriano. Sempre olho para os lados procurando uma igreja ou algo parecido... sem sucesso. Mas ele continua a cantar, com várias vozes jovens se intercalando em uma perfeita cacofonia. Só soava bem em meus ouvidos porque eu estou no fundo do poço, e tudo é música para mim.
Sou casado, o mendigo diz. Pergunto com quem, e ele responde: Com a cidade.
Ela sabe quem eu sou, ele discursa. Me acompanha não importa para onde vou. Nunca me deixa só, nunca me deixa mal.
Eu não quero mais me sentir mal, confesso. Quero ficar bem, quero um lugar que amo.
A cidade te amará se você a amar, o mendigo determina.

Ninguém ama a cidade, todos a deixam sozinha. Ao léu.
Amar é não manter segredos, o mendigo continua.
Então não amo minha mulher?, pergunto. Ele diz que amo, mas não por inteiro.

Ele institui que preciso contar para ela o que penso. O que sofro. Contar o quanto ter uma doença sexualmente transmissível e não contar a ninguém com medo de ser taxado de sujo dói. Contar o quanto minha família me despreza por causa dessa condição de saúde. Contar como é nojento trabalhar com pessoas horríveis para conseguir manter a casa.
Conte a ela, o mendigo incentiva. Conte a ela como você a protege. Como você vira o super-homem todo dia para mantê-la livre desse mundo sujo. Como você só trabalha em dois lugares diferentes só para que ela não precise trabalhar e conviver com gente desprezível. Como você queria que ela soubesse disso tudo, mas tinha medo de contar.
Ele sempre diz que ela me entenderá.
E eu sempre discordo.

O mendigo diz: Chora, amigo. Pode chorar. E eu me solto no ombro dele. Embaixo daquela ponte entrego minha vida. Choro muito, choro demais. Sempre que abro os olhos, vejo a cidade submersa em lágrimas minhas. E começo a gritar aos quatro ventos minhas angústias, minhas dores, meu ódio.
As nuvens começam a sorrir. Quando eu acabo, elas dizem o de sempre:
Eu te amo.
E eu digo que também amo... também amo.

No fim do sonho, o mendigo me dá uma caixa de papelão e me diz para recolher todas as lágrimas. Guardá-las para que minha mulher não veja que existe tristeza na cidade. E essa é minha missão, segundo ele. Reluto, sempre reluto, mas acabo aceitando.
Pulo na água, e as lágrimas entram tão rápido na caixa que formam um redemoinho. E nele eu acordo, toda noite.

E quando acordo de madrugada, vejo minha mulher dormindo como um anjo. Um anjo numa cidade de ... demônios. E ela só é um anjo porque acha que também sou um.
Beijo o couro cabeludo dela, tão macio... e rezo pelo milagre da coragem.
Que eu acorde de manhã com coragem para entregar minha vida a ela. Meus pensamentos, minhas agonias. E que choremos juntos.
E que ela me entenda.
Se anjos conseguem entender até Deus, acho que ela pode me entender.

por me entenderem.
E por serem mais do que anjos,
serem meus salvadores.

Apesar de, bem, todas as coisas horríveis que acontecem todo dia.

20 de junho de 2012

Terra de confusões

I won't be coming home tonight /
My generation will put it right.
("Land of confusion", by Genesis)




















— Prontas? — Randy perguntou, com um aceno afirmativo de cabeça das duas garotas.
Ele, Demi e Marie estavam em um dos terminais rodoviários de Londres, esperando o ônibus estacionar para embarcarem rumo a algum lugar que pouco faziam questão de saber onde era. Qualquer lugar onde tivesse um albergue e não houvesse família.

Primeiro as damas. A primeira a entrar no ônibus foi Demi, ou melhor, Demetria Neil. A ninfeta de dezesseis anos trajava um vestido sóbrio de cor verde-guerra-ou-verde-vômito-ou-verde-musgo-ou-ah-eu-não-sei curto o bastante para mostrar que ela era livre e, portanto, suas intimidades também eram. Os cabelos pretos repicados à altura do ombro esvoaçavam com leveza quando ela sibilou um “bom dia” ao motorista, que sorriu indiferente a ela e suas coxas à mostra. Estava arrumada e perfumada demais para quem provavelmente dormiria em um quarto de albergue com cheiro de geladeira aberta, visto o parco dinheiro que o trio carregava.
A outra dama era Marie Calvin-Manson.
Mas antes de continuar a falar dela, que fique claro que Randy só deixava as duas subirem primeiro para que pudesse ver as amigas de modo privilegiado e impuro. Elas, coitadas, ainda acreditavam que ele era um cavalheiro.
Marie Calvin-Manson, enfim. Dezoito anos muito bem distribuídos no corpinho de um metro e meio, cabelos menos esvoaçantes e mais emaranhados que os de Demi e roupa mais comportada. Ou desleixada, como preferir. Uma camiseta justa de banda de rock que evidenciava seu busto e uma calça jeans preta básica e indispensável passou pelo motorista só com uma olhadela carregada com lápis de olho e um sorriso levemente forçado. Ela, cheia de tiques, roía as unhas mal esmaltadas de preto (“Preto nada, Noite Ametista”, diria Demi, Ph.D. em Nomenclatura de Esmaltes) e gostaria de um suco de maracujá, de dormir e nunca mais acordar naquele mundo sujo.
Muita calma nessa hora: A alegria do trio ainda estava subindo as escadas do ônibus.
De óculos redondos espelhados, colete preto e calças rasgadas, Randall Copeland Junior, de dezessete, deu ao motorista um bom-dia mais animado do que o Ronald McDonald poderia dar. Com uma música qualquer na cabeça (um reggae, levando em consideração seu modo saltitante de andar), passou a mão em sua vasta cabeleira espetada que mais parecia fogo tingido com sangue seco.
Sentou em um banco ao lado do seu par de amigas, separado pelo corredor. Ao seu lado estava um homem descendente asiático de pouco mais de trinta anos aparentes e pouca tolerância ao odor de juventude que saía de Randy. Por um momento se entreolharam, mas o engravatado morreria sem saber disso por causa do reflexo dos óculos de Randy que só mostravam seu rosto apertado e amarelado em vez dos pequeninos olhos castanhos do jovem.

O céu estava nublado, como de costume. Demi e Marie não paravam de conversar em um tom de voz alto o bastante para incomodar metade do ônibus enquanto Randy desistiu de se lembrar de músicas e colocou fones de ouvido em seu celular e, logo após, em seus ouvidos já feridos por eles. Decidiu por “I ain’t no nice guy”, uma música que, no aparelho celular de um cara de dezessete anos, soa irônica. No entanto, era válida. A vida do trio estava resumida em desilusões e arrependimentos, e naquela fuga.
Pois aquilo era uma fuga.
Uma fuga da mãe solteira incompetente e do irmão psicótico de Demi.
Uma fuga da mãe agiota e da sombra do pai fugitivo de Marie.
Uma fuga da mãe submissa, do pai alcoólatra e das irmãs inconsequentes de Randy.

Sim, eles fugiam de vidas inteiras. De uma infância inteira construída na rua Levine, de quartos quentinhos e roupa lavada. Dali para frente, partindo para um lugar que já esqueceram onde era, teriam que cozinhar as próprias refeições, lavar as próprias roupas, comprar absorventes e lâminas de barbear com seu próprio dinheiro, sem uma viga de sustentação aos lados. Eles eram seu próprio alicerce daquele momento até... até... bem, quem sabia até quando?
O trio fugiu de uma terra de confusões para entrar em outra. Não que eles se importassem, mas os problemas não deixariam de existir. Só seriam substituídos por outros que, coitados, não sabiam ser piores. Em poucos dias saberiam como o mundo era, e “sujo” seria só um elogio para a imundície tóxica desse aterro sanitário em que seres humanos pisam, constroem casas e vendem seus produtos.

O céu continuava nublado. O sol tardaria a aparecer, a iluminar.
Era a Era de Trevas deles.

E eles não perdiam por esperar.

13 de junho de 2012

Feliz dia 12 de junho


Namoro foi feito pra acabar! Ele acaba em casamento,ou em separação... mas acaba.É uma fase,e me machuca ver o quanto as pessoas sofrem por não aceitar mudanças...Também sou pessoa,também esqueço o obvio as vezes,e é bom lembrar que amar alguém vai muito além de ter um anel igual,e pode estar na simplicidade de deixar a pessoa ficar com o ultime pedaço de bolo floresta negra.O namoro pode acabar,o amor pode continuar,ou o contrário... Acho que o importante é saber quando um dos dois acontecer,e saber lidar com essas coisas da vida.Sem perder o juízo,sem deixar o mundo acabar,e fazer uma tempestade que inunde seu copo d'água... Dançar com os paradoxos amorosos enquanto tenta buscar a si mesmo nos olhos de outra pessoa... Esses lances malucos de amor sabe?!

Uma vez ouvi em uma propaganda,que o amor era mais do que um estado de "enamoramento",que era uma forma de se viver,uma impressão na alma... Vou acreditar nisso todos os dias que conseguir,mas já que hoje é o dia de lembrarmos disso,não vejo porque não dizer algumas coisas sobre o assunto,só pra perder um tempinho sabe ?

Em 2008,passei o dia dos namorados ao lado de alguém que sempre será minha primeira menina... Nao correspondi as expectativas dela no dia,tivemos brigas,aquilo que pra mim era um dia perfeito através de olhos adolescentes e apaixonados,para ela era alguma outra coisa,mas não o bastante.Em 2009, não passei ao lado de ninguém. Estava dividido entre três moças completamente diferentes... Uma delas era a do ano passado,a outra era um romance anonimo,enquanto a terceira... Ah,essa seria a moça do próximo ano,e de muitos incontáveis dias anacrônicos.

 Passei o dia 12 de junho deste ano discutindo Bukowski,assistindo Californication,e agora ouvindo Warren Zevon.O que você preparou, não vai rolar,e o que você queria fazer,vai ficar pra próxima. Sóbrio,sozinho,sem sono...  E acreditando no amor como se estivesse deitado em um lençol de estrelas,vendo a lua,com sua pequena deitada ao meu lado.Suspirando como se o Hotdog que está nessa mesa fosse um jantar de verdade,como se a janela do meu quarto fosse a vista do Terraço Itália... Com um sorriso triste,bonito e entorpecido de nostalgia... Desejando feliz dia dos namorados a todos,e soltando minha fumaça suicida e com gosto de maçã pelo ambiente... Tudo isso porque entendi que "Dia dos namorados" é mais do que o dia de quem tem um compromisso,do que o dia de exaltar algum relacionamento,do que um feriado comercial,ou uma desculpa pra se comprar presentes... Pro mundo,o dia 12 de julho pode ser o que quiserem que seja,mas pro escritor pós adolescente,o dia dos namorados é um dia pra lembrar que o amor existe,que a paixão nao deve ser sufocada,e que existe sim uma razão para acreditar em tudo isso,que as coisas valem a pena e tem mais gente por ai acreditando nisso.

Feliz dia dos namorados! Muito amor,doçura,carinho,musicas,sexo,gemidos,berros, sussurros e sonhos...Que todos aqueles que passam essa data simples de coração sejam felizes,juntos para sempre,ou até semana que vem.

12 de junho de 2012

Um novo messias

Um novo messias
É do que todos nós precisamos.
E mais dez, vinte, cem mil dias
Digo, talvez, mais vidas perdidas
Para esse messias ouvirmos:
“Sou a mão divina que cria”.

“Dezenas de virgens aos pés do altar
Nunca serão violadas, desistirão.
Acreditam na dor de copular
Na fé irão se deliciar
E da castidade se servirão
Pois em mim irão acreditar”.

“Roubar – necessidade não haverá,
Farta será a mesa da comunidade.
Vinho e sidra nela sempre haverá,
Pão e carne ela sempre assará:
E hei de entregar a melhor cidade
Para quem nos pregos ajoelhar”.

“Sou o seu messias
Para fazer antídoto de suas peçonhas.
Ruas deixarão de ser tão frias,
Esperanças não serão mais tardias.
Atividades remuneradas menos enfadonhas
Para quem ajoelhar todos os dias”.

Assim, pois, vem a graça.
Mais evangelhos nas prateleiras.
Mais religiões cheias de pirraça.
Gente se alimentando de linhaça,
Gente se jogando pelas beiras,
Não querem mais ser da massa.

O messias é diferente,
Seus seguidores também o serão.
Haverá guerras de repente,
Gente deixará de ser gente
E será jogada em um porão.
Inalarão gás e engolirão detergente.

Messias ficará cego,
Ninguém nessa terra é rei.
O mundo ajoelhará no prego,
Vestirá a carapuça do ego:
“‘Nessa terra eu governarei’,
Disseram todos que renego”.

Palavras do novo messias,
A palavra do novo deus.
Repetida todos os dias,
Ninguém percebe que são repetidas.
“Alguns ainda são meus,
Todavia se matarão em rodovias”.

Alguém dirá na multidão:
“Não adianta um novo messias.
A boa nova será gozação,
Violada será a salvação,
As esperanças serão perdidas
E só restará um amargo coração”.

“Não importa quantos redentores
Vieram, virão ou desistiram de vir.
A nós mesmos somos devedores
Por um mundo transbordando dores
Que só fazemos assistir
Abraçados aos nossos falsos amores”.

“Um mundo não melhora
Se milhões de cabeças ficarem estáticas.
O messias veio em má hora,
Nossas mentes foram embora,
Ficaram só máquinas automáticas.”
Terminará o homem por ora.

Assim falhará a missão.
Ele não estará mais no meio de nós.
Corações voltarão a bombear corrupção,
Pulmões fraquejarão a respiração,
E, de novo, bilhões ficarão a sós.
Palavra da salvação.

7 de junho de 2012

Dedicado a mim



_________________________________________
Se eu pudesse morrer de tanto me embebedar, já estaria na terceira vida”, escrevi com meu pálido sangue que mais parecia catchup vagabundo de barraquinha de hot-dog.
É difícil manter um sangue saudável quando você o dilui em álcool.
Essa frase foi escrita na parede, junta de várias outras pequenas pérolas da inutilidade. Há uns dois anos tem sido assim: Goles de rum, faca na mão e corte na outra. Um dia estava tão embriagado que arranquei uma falange do dedo médio. No outro dia, bebi mais ainda e arranquei uma falange do dedo anelar.
Hoje em dia estou constantemente tentando lançar teias pela janela por causa dessa mão deformada.

E há um engano em achar que esse é o fim da história. Se essa história fosse um livro, estaríamos naquela página com dizeres no rodapé em uma fonte de computador que deveria parecer parece escrita à mão que diz “Dedicado a alguém”.
E a quem eu dedicaria esse livro?
A mim.
Dedicado a mim”.

Faço uma ode à minha infância regada a jujubas e pés-de-moleque e à minha adolescência obesa mórbida. Aos meus cinco anos de vida e Scooby-Doo na televisão o dia todo e aos meus quinze anos e nenhuma consciência social na cabeça. À empregada-babá que cuidou de mim até meus sete anos e meu professor de boxe que me estuprou aos doze.
Uma vida digna, afinal. Não posso negar que essa vida movimentada é bem melhor que a vida insípida de muita gente. Por isso, um brinde ao passado!

O sangue continua a jorrar pelo corte no dedo. Minha capacidade de coagulação foi reduzida a níveis negativos, e a finura do sangue o faz se espalhar mais rápido ainda pela escrivaninha que antes servia de fato para escrever, e não para apoiar garrafas vazias e pratos mal comidos de lasanha congelada.

Mais um brinde pela operação de redução de estômago que me faz comer uma ervilha e me sentir estufado, e pela ansiedade causada pela depressão que me faz querer comer javalis assados inteiros. Por todas as vezes que pintei meu banheiro com vômito de bebida, e por todas as vezes que foi de comida.
Por todas as vezes, também, que foi com vômito de outros.

Levantei mais um copo de rum para o alto, brindando meu caos. O rum escorrendo pela minha mão magra e fodida congela minha alma. Copo ao alto, brindando meu desemprego de mais de cinco anos, meu prêmio na loteria que gastei quase que inteiramente com um estoque de bebidas em casa. Meus amigos que estão muito melhor longe de mim, minha família que está mais coesa sem mim na árvore genealógica.
Brindando a parte boa que havia em mim e resolveu fazer as malas, partindo para Nárnia ou se teletransportando para Marte.

Algum filho da puta deve estar por aí gritando “essa viadagem aí é por causa de mulher”. E é mesmo, algum problema? Coração remendado não bate direito, amigo.
Se eu tirasse meu coração e o desse para uma universidade estudá-lo, eles se surpreenderiam com a aparência dele. Amarrado com fios de arame e remendado com fotografias velhas, o sangue bombeado escapa por vãos e rachaduras, como uma caixa d’água de madeira carcomida em seus momentos finais.
Estou nos momentos finais, e esse é só o começo da história.

E quem se importa além de mim?
Fiz com que desistissem de mim. Transformar amor em ódio é tão fácil quanto mudar uma televisão de canal. E, subitamente, minha vida estava mudada.
Expressões novas surgiram em meu dicionário: Ódio-próprio, primeiro ódio, ódio à primeira vista.
A novela começou a se chamar Ódio, Eterno Ódio.
A música do Nando Reis, em um piscar de olhos, intitulava-se Pra Você Guardei o Ódio.

Se eu resolvesse transformar amor em rum, teria o mesmo significado.
Rum, Eterno Rum. Para mim faz todo o sentido.

Sou o Jesus Cristo do ressentimento, transformando amor em rum.
Praticando o milagre da multiplicação da raiva.
Curando o leproso matando-o.
Sendo crucificado por mim mesmo, lavando minhas mãos com meu próprio sangue.

Ressuscitando? Talvez. Só morrendo para saber.


6 de junho de 2012

Pra quem quiser

23:50,
Um homem corre às pressas para pegar o último metrô. Gira a catraca ferozmente, porém percebe uma coisa: no vão existia um bilhete em cima, que estava nomeado:

Pra quem quiser,

Pegou o papel, amassando-o às pressas no bolso da blusa. No vagão, começou a ler o bilhete anônimo:

“Faz um tempo que eu não escrevo,  já passei por diversos carnavais e posso afirmar: esse é o mais difícil de todos.  


Não estou escrevendo para aconselhar alguém, cansei de frases feitas e todo tipo de bobagem que vende fácil, embora eu esteja ainda lutando para mudar a realidade a minha volta, decidi tal luta não deve ser feita só com palavras e sim com mais ações. Talvez seja essa a verdade, existe uma correlação entre o tanto que as pessoas falam e como acabam não fazendo nada depois do glorioso discurso. Muito papo, muito cacife e acima de tudo muito leão escondido em pele de cordeiro.  

Sim, infelizmente eu ando muito cansado, muito desanimado, no meu sagrado café da manhã aumento a dose de coragem diariamente, caso contrário nem saio de casa. O único pesadelo é que nesse mundo meu caso não é a exceção, é a regra. Ando por ruas frias de São Paulo, vejo muitos sorrisos despedaçados, maquiados com falsas alegrias. Alegrias que são comuns de muitos moradores de metrópoles ao redor do globo, a vida para o deus dinheiro, para festas e status, depois disso sobram poucos trocados para um enterro descente. Quem precisa de um lugar descente para descansar os restos mortais? Nesse estilo de vida de carpe capitalista diem, muito árcade por ai iria se impressionar. 

Eu não te conheço e simplesmente acho muito difícil conhecer, seja lá quem estiver lendo esse bilhete, você não o achou por acaso em cima da catraca do metrô.  Escolhi tal lugar, porque uma diversa gama de almas passa por aqui. Entretanto, pouca gente presta atenção no que existe de verdade aqui! Quase ninguém enxerga a realidade como é, estão todos míopes, ninguém mais vê esperança no sorriso de uma criança ou sabedoria no olhar calmo de um idoso. E se você é essa pessoa que decidiu abrir os olhos e ler esse bilhete, é por você que ainda vale a pena lutar. 

Faz um tempo que eu não escrevo assim como o autor da carta. Quem gostou pode compartilhar nas redes sociais, qualquer coisa ou sugestão deixa um comentário.
E não se esqueça de sempre questionar.
Até mesmo em feriados.

Abraços,
Nunca se esqueça de abrir os olhos como fez hoje, espero que espalhe essa mensagem"




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3 de junho de 2012

Conselho


Disseram um dia que há nesse mundo
muitas estradas diferentes para a morte.
Mas as trilhadas por mim, tão sem sorte,
que agora sinto arrependimento profundo.

As escolhas erradas, a falta de tato,
minha falta de ação, os passos em falso;
tudo me levava a meu destino insosso,
enquanto a morte preparava seu ato.

Vivi como quem está morto por dentro,
putrefato, cansado e aborrecido demais.
Achava que a missão da vida era ter paz,
até quando veio a morte ao meu encontro.

Aí já não havia mais paz, nem falsa alegria,
tudo era bem real: um tapa em meu rosto.
A mais temida por todos tomou seu posto
e veio ter comigo em minha companhia.

Meus ossos se gelaram, meu sangue fugiu
das veias tal qual areia da ampulheta.
A ladra de vidas tocou-me sua palheta
num baque, a vida por meus olhos se esvaiu.

Minhas parcas lembranças tolas, todas
de uma vez me apareceram e eu chorei.
Não havia nada digno da vida, bem sei.
Mal aproveitei dela suas horas puídas.

Muito embora para mim seja tão tarde,
venho aqui deixar-lhe aviso, amigo meu:
aproveite bem a vida, e não seja como eu
que passei por ela, sem fazer qualquer alarde.