30 de março de 2013

Árvore-noite


Dias se consomem, altivos
e arrojados,
como se a noite não chegasse.
E a noite não fosse dia de luxo,
dia para quem tem luz,
luz para gastar e ofuscar
quem vive na escuridão.

Onde acontece a contação
de histórias para o dia próximo
(tão distante),
pura réstia de lendas.
O que sobrevive é fruto da noite,
fruto branco, leitoso, feito Lua.
Vê o coelho? O dragão?
Ah, a noite abriga um mundo.

29 de março de 2013

Rapunzel e seu chapéu

http://bit.ly/126zQzv


Os olhos dela estavam fixos na vitrine da loja de chapéus. Nunca usara um e não seria agora que poderia começar. Havia anos que passava por aquela loja, quase todos os dias, mas nunca chegou nem a entrar.

Talvez... Quem sabe talvez pudesse haver algum jeito, alguma forma de enrolar seus longos cabelos negros, e enfiá-los todos dentro de seu futuro novo chapéu?

25 de março de 2013

Dueto de Um, pt. IV


Leia aqui as partes um e dois, escritas por mim, e a parte três, escrita pelo Alaor.

Você tem ideia de como está apertado aqui? E não? Parece que não, olha ali, vai mais praquele lado. Se desse pra ir, eu iria, seu idiota. Mas dá, vai lá, tem pelos menos um passinho ali pra direita. Tá bom, tá bom. Custou muito? Não, não custou; mas você bem que podia me fazer o favor de ficar quieto, pois estou tentando ler. E desde quando você lê, seu animal? Desde sempre, oras; sou um homem culto. Você é curto, é isso que você quer dizer; mal alcança o ferro pra se segurar, e onde já se viu, se achando culto por ler essas porcarias de romance de banca de jornal. Veja bem o senhor que muito se entende ao ler esses romances. Ah, é? É.

23 de março de 2013

Cabo de guerra

Parte 1: Cigarro mentolado
Parte 2: À sua maneira
Parte 3: Tijolos amarelos
Parte 4: Silêncio no coreto

Da série "Pecadoras", um encontro despretensioso

Original: http://goo.gl/y6p6U

Penha sempre teve em sua mente o poder curativo de uma bebedeira. A primeira lágrima de tristeza significava a primeira dose de tequila, não havia erro. Descia até o chão, a bebida subindo até a cabeça, e a noite ficava sem gravidade depois da quinta lágrima, da quinta dose. Podia até cair, andando tão tresloucada, mas teria um colo no fim da noite. Acordaria salva, redimida de suas travessuras, como um pouso tranquilo após um voo turbulento. E seus problemas ainda estariam se engasgando com tequila, gim, rum, com o que havia entrado pela sua boca pecadora.

22 de março de 2013

Khumb Mela

http://bit.ly/XWTyoY


Milhares de tendas se estendem perfiladas pelo campo. São praticamente todas iguais, e estão tão alinhadas quanto casas de um tabuleiro de xadrez.

Inúmeras mulheres, homens e crianças, todos vestidos com trajes coloridos, flores, ou mesmo apenas tangas, peregrinam. Muitos dos homens ostentam enormes barbas e elas são brancas de experiência, amareladas de fumo ou negras de juventude.

Há crianças espalhadas pelos cantos, vestidas com roupas coloridas, muitas com os rostos sujos de terra, descalças. Homens e mulheres deitados ao chão, aguardando.

19 de março de 2013

Cortejo de Lúcifer II

O cortejo maldito continua de onde parou.

Original: http://goo.gl/tJlgW

Sou levado ao chão com ódio. Caio amordaçado, coberto até a cabeça por um saco de dormir, encasulado. Enclausurado. O zíper se abre, a luz do fogo dos olhos dela me incendeia, morro carbonizado a cada piscadela.
     Estou fraco. Meu peitoral inteiro arde, lacerado por chicotadas. Não seria tão perfeito se eu tivesse me autoflagelado, ela fez um ótimo trabalho. Me torturou com prazer, fincando dentes na minha pele e me horrorizando. Ela é horrível como o próprio Inferno, e tomo para mim, para sempre, a culpa de tê-la feito se tornar isso.
     Ela me põe de pé. Um papel de parede gélido me golpeia por trás, e ela levanta um de meus braços, paralelo ao chão. Prende fitas nele, prende as fitas à parede, meus olhos vendados tentam adivinhar se o sorriso dela já chegou às orelhas.

16 de março de 2013

Silêncio no coreto

Parte 1: Cigarro mentolado
Parte 2: À sua maneira
Parte 3: Tijolos amarelos

Da série "Pecadoras", um encontro despretensioso
Original: http://goo.gl/9gDcg

A dupla seguiu pela trilha de tijolos detalhadamente amarelos que não dava em cidade alguma. Dava no coreto, ocupado somente por um beija-flor que sacudia as asas em volta dele. Clec, clec, clec, os baixos saltos do vestido bordô subiam a frágil escadaria da construção, seguidos pelo cluc, cluc, cluc dos saltos agulha de Penha. Encostaram na cerca de madeira, a menor cruzando os braços nela e levando o cigarro à boca em intervalos repulsivos e a maior deixando a piña colada no assoalho e apoiando a cabeça nas mãos escoradas por cotovelos na proteção rústica.
          As mãos de Penha envolviam a metade inferior de seu rosto, como se ela sentisse dor de dente. Mas era só tédio. O silêncio seguiu até o vestido apagar uma bituca sem menta com dedos úmidos, para só então jogá-la na grama do jardim daquela Oz.

15 de março de 2013

Menino do farol


http://bit.ly/X6AWqR

E andava o Joãozinho por entre os carros, com a mãozinha suja estendida para as janelas, pedindo alguma ajuda pra comprar um pão.

Joãozinho não tinha casa, era menino de tudo, não tinha vivido nem seus dez anos quando se viu jogado às sarjetas e disputando espaço com as motos nos buracos entre os carros perfilados nas veias da cidade.

11 de março de 2013

Todavia

Original: http://piarvi-recherreen.deviantart.com/art/all-the-way-166895052

Alguns ousam dizer que o mundo está cinza,
que existe apenas problemas no mar da vida
e que esta última está quase sempre à deriva.
Flutuando na imensidão dos problemas, fria.

E falam com tanta convicção, aparentando

que só aprenderam a nobre arte de reclamar
quando do leite materno estavam se deliciando.
E a tristeza aos poucos sufoca todo raro ar.

Todo dia.

Todavia, eu digo em sã consciência,
Os olhos deles é que estão cinza!
Com a felicidade em abstinência
contaminam a realidade em sua grandeza.

10 de março de 2013

O mundo mágico de Oz

Imagem da capa de 1900


Livro: O mágico de Oz (The Wonderful Wizard of Oz) é um livro muito antigo, mais precisamente de 1900. Foi escrito pelo americano L. Frank Baum, que nasceu em 1856 na cidade de Chittenango, Nova Iorque. A edição que eu li para fazer essa resenha foi a do ‘Penguin Popular Classics’ (imagem da capa de 1900 acima).

A história nada mais é do que um conto para crianças, que tem lá seu quê de ensinamento para nós adultos. Uma menininha chamada Dorothy mora no estado de Kansas, nos EUA, com seus tios e seu cãozinho Totó. Sua vida é bem calma, até que um tornado a leva (juntamente com sua casa e Totó) para os confins da terra de Oz. O Mundo de Oz é uma terra mágica localizada em algum lugar qualquer e rodeada por um deserto. Ela é dividida em cinco países: os do norte e do sul, onde reinam bruxas boas, os países do leste e oeste, onde reinam bruxas más, e um país bem no centro, cujo comandante é o Poderoso Mágico de Oz. Isso muda quando a casa de Dorothy cai sobre a Bruxa Má do Leste, matando-a instantaneamente. Os moradores daquele país logo ficam muito gratos a ela, pois a bruxa os havia escravizado. Eles acham que Dorothy era uma grande bruxa, por ter matado sua escravizadora.

9 de março de 2013

Tijolos amarelos

Parte 1: Cigarro mentolado
Parte 2: À sua maneira

Da série "Pecadoras", um encontro despretensioso

Original: http://goo.gl/lwE6f

— Como veio pra essa festa? — Penha perguntou, as coxonas brilhando sob as luminárias barrocas nas imediações.
          — Sou prima da mulher do dono da casa — a outra respondeu sucinta, apontando para qualquer canto com o cigarro quase inteiro.
          — Tudo de bom, hein? Você deve vir muito aqui!
          — Só quando não há nada mais interessante pra fazer — o vestido, então, girou lentamente na direção da moça dos penduricalhos.
          — Mas aqui tem... — Penha apontou para a piscina, onde algumas jovens escalavam ombros masculinos para brincar de lutinha.
          — Piscina? Seis quartos? Um salão de jogos e uma quadra poliesportiva? Um coreto? — indagou com sarcasmo nos níveis mais insuportáveis.
          — Tem um coreto aqui?

8 de março de 2013

O jardim holandês

http://glo.bo/ZDEpzA

Frio, neve e temperatura abaixo de zero.

Era assim que estava aquele dia na Holanda.

Glas não queria mais aguar as plantas de seu jardim, pois a preguiça era muito grande, e como ele morava sozinho, o trabalho era muito. O frio era uma barreira invisível. Mas Glas não queria se livrar de suas plantas.

4 de março de 2013

Estrangeiro

Original: http://teaxa.deviantart.com/art/Untitled-357642466
Artista: http://teaxa.deviantart.com/
         
       O relógio apontava para uma hora em que crianças deveriam estar na cama. Ao contrário, eu estou no bar mais próximo de casa, aproveitando a música estridente e vendo o brilho da madrugada passar em cada espuma branca no meu caneco. Para matar as dores do ser humano que existe dentro de todos nós, nada melhor do que uma boa noite regada em destilados e fermentados! Quando se está muito bêbado só conseguimos enxergar os vultos da realidade e o que queremos bem entender sobre o que é verdade. Um exemplo da minha afirmação é aquele senhor no canto direito, ao lado das mesinhas de centro. Ele foi roubado cinco vezes, enquanto eu penso esse monte de baboseiras, e nem se deu conta disso. Ou deu sim, e eu que sou muito ingênuo. Se existe algo que eu aprendi nessa vida é nunca duvidar da estupidez humana. A cerveja está choca e o meu tempo aqui está acabando, não sei o porquê, mas aquele cara na última mesa a minha esquerda me desperta um certo desespero.

2 de março de 2013

À sua maneira

Parte 1: Cigarro mentolado

Da série "Pecadoras", um encontro despretensioso
entre Penha e a moça do vestido escarlate.

Original: http://goo.gl/wTcGS

— Me desculpa por mandar você se foder — várias reticências na voz de Penha.
          — Já ouvi coisa muito pior vinda de gente mais próxima — e a mal-maquiada levantou os cantos dos lábios no sorriso mais forçado da festa, e olha que os concorrentes eram muitos.
          O cigarro de Penha acabou em soluços finais de fumaça, a pontinha incandescente lutando contra si mesma para seguir em frente. Ela atochou essa mesma ponta no cinzeiro, destruindo qualquer esperança.
          — Você... realmente não vai me dizer o seu nome? — a malvestida perguntou depois de mais de minuto encarando os cabelos oleosos da outra.
          — Não importa. Sem brincadeira, não vai te engrandecer em nada saber essa informação — respondeu, botando mais um cigarrinho mentolado na boca, fazendo casinha com a mão.

1 de março de 2013

Vestido de Oscar

http://s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2013/02/25/jen1.jpg

Janice estava em frente à sua televisão, assistindo a transmissão do Oscar.

- Olha, Norton, cada vestido bonito, não é?

Norton era marido de Janice, e estava cansado daquele bando de engomadinhos andando naquele tapete interminável. Ele só queria terminar a sua cerveja e ir dormir, ou então assistir outra coisa.