27 de abril de 2013

Texto-coração


      Cada palavra é uma noite insone. É meu grito de autopiedade, uma passeata que pisoteia minhas sinapses. Dói. Olhos fervem.
      Essa, eu poderia dizer, é a história de um homem sem ideias. À frente do notebook, letras digitadas a esmo, será que sai alguma coisa?, e já é a terceira noite. A terceira de todas (as mil e uma), suponho.
      Quero que você saiba minha angústia e dor.
      Quando você quiser. Estarei aqui.
      Aqui onde? Nessa cadeira movediça que me suga para o nada? Meu coração se estilhaça e parece bater, ricochetear, pulsar em cada nervo meu. Minha medula-coração, meu estômago-coração, meu corpo-coração vermelho e roto. E não consigo pregar os olhos.
      Vem cá que a gente casa agora. Casa em casa, qualquer lugar. Um anel no seu dedo e você tomando café comigo, vai que eu durmo.
      Mas sou um homem sem ideias à frente do notebook. Um haicai do que fui. Não sei mais escrever. Minha garganta se arranha, se mutila, tentei de tudo e continuo sendo menos que nada.

      Essa é uma história de amor daquelas que odeio escrever.
      Atribuo mil músicas a você. Os choros da novela parecem mais reais, o sofrimento das ruas também. Dói.
      Ando sobre nuvens de chuva e estou prestes a despencar. Dormir para sempre meu sonho acordado, e fim.

      (Esse final não me agradou.)

26 de abril de 2013

Encontro inoportuno

http://bit.ly/YiqXMg
Continuação de Despedida indesejada (clique para ler)

“Quando você me deixou, meu bem, me disse pra ser feliz e passar bem.
Quis morrer de ciúmes, quase enlouqueci.
Mas depois, como era de costume, obedeci.”
Chico Buarque – ‘Olhos nos Olhos’

O tempo passou, as feridas ainda doíam, mas eu já estava um pouco melhor.
Eu já havia arrumado minha casa, comprado novos móveis. Minha barba estava feita e comecei a correr no parque. E foi numa de minhas corridas pelo Ibirapuera que a encontrei. Aliás, que as encontrei: ela e minha memória dolorosa.
- Nossa! Como você está? – perguntou ela, espantada pela minha mudança.
- Estou bem, e você? – olhei-a nos olhos, que me fugiram, assustados. Nosso último encontro não havia terminado muito bem. Ela fugira de meu apartamento, jurando que seríamos amigos, mas nunca mais deu notícias. Dois anos haviam se passado desde então.

20 de abril de 2013

SRS. PICHADORES


      Não aprendi com os erros, os erros foram aprendidos.
      Sou um engano, um erro genético que nasceu com esse tal de raciocínio. Na infância, mais da metade das pessoas é um gênio em potencial. Mas crescemos e nos tornamos idiotas.
      Vi as frases acima pichadas em algum muro. Não sei dizer onde, nem mesmo se o muro existe. Talvez minha mente seja um muro pichado, todo cheio de sujeira, spray a esmo por uma extensão de muralha chinesa. Falas inteligíveis misturadas a desenhos que não sei trazer ao papel; músicas sem partitura bem ao lado daquelas palavras eternas que estão descascadas.
      Desabafos mudos.
      Mudaram o meu mundo.

19 de abril de 2013

Despedida indesejada



“Which way is right, which way is wrong?
How do I say that I need to move on?
You know we’re headed separate ways…”
Alex Clare, Too Close

A ausência da voz dela tomou todo o quarto.

O suor em sua pele reluzente denunciava as últimas horas que tínhamos passado juntos. Mas os músculos por baixo da pele e do suor estavam tensos.

- Abre o jogo. – eu já não queria mais enrolar com aquilo.

- Você merece mais do que isso. Eu não tenho mais o que te dar. Você sabe que isso nunca ia dar certo. – ela já colocava suas roupas novamente.

- O que quer dizer com isso?

- Você sabe bem. Tenho que pegar a estrada. Não posso mais com essa nossa situação.

13 de abril de 2013

Neblina demais

Imagem original: http://goo.gl/32Sg4

Sou desembrulho, descoberto. Ando pelas ruas e o amor não está lá; estaria então em meu embrulho?
Uma vida inteira procurando por amor e o encontro com ele acontece em um esbarrão. Desculpas mútuas, olhos que não se encontram e fim. O amor é realmente necessário? Dizem que sim... mas agem que sim?
Discutir sobre o amor com a esposa não é das melhores ideias, mas fiz isso. Ela enchia uma caipirinha com açúcar quando vim com esse papo. Uma massagem leve na barriga oblonga disse, por ela mesma, que o amor tinha lá sua necessidade. Como criaríamos o Guilherme sem ele?
Mas julgo que o Universo não precisou de amor para criar qualquer vida.

12 de abril de 2013

A estrela da alma

notícia original: http://glo.bo/13UbGJp

As janelas da alma de Fydor sempre foram abertas.

Seus olhos claros e espertos buscavam freneticamente apreender o mundo, observando-o e o absorvendo. Morava na cidade de Graz, no oeste da Áustria. Tinha um belo jardim fronteiriço em sua casa, no qual se sentava em sua velha cadeira branca quase todas as noites, e ficava observando as estrelas.
Imaginava se ela seria uma delas. Sua amada Adabel, que morrera alguns anos antes, abandonando-o com seu jardim, suas flores, suas estrelas e as lembranças de todos aqueles anos. Queria tê-la de volta, ao menos por um dia.

6 de abril de 2013

Cinquenta e seis


A mulher grita para os filhos distantes, pontos magros perambulando pelos carros parados à luz vermelha do semáforo. Sua barriga inchada espera mais um filho, o sexto. Tem menos de trinta anos, mas a boca banguela e as linhas de expressão fundas como cânions a fazem ter mil, dez mil, uma múmia grávida.
     Estende o dedo ossudo para as crianças igualmente mumificadas pela miséria.
     — Vai, vai, vai!

5 de abril de 2013

As chamas de Grozny

Imagem original (sem cortes): http://glo.bo/109jUse


Dasha estava em seu luxuoso apartamento em Grozny, bebendo um copo de uísque on the rocks, sentada em sua bela poltrona de couro, observando a janela que dava para a cidade. Era uma mulher alta, com seu 1,80m de altura e tipicamente russa, com seus olhos azuis transparentes, sua pele clara e seus cabelos loiros. Em sua infância, fora uma menina desengonçada, mas assim que atingira a puberdade, os homens começaram a reparar muito nela. Vinha de uma família pobre de Gudermes, a alguns quilômetros daquele prédio onde estava agora, seus pais eram agricultores e muito humildes.

4 de abril de 2013

Sons- O Silêncio.


Olá Escuridão, minha velha amiga.


Cada noticia no jornal antes de desligar a maldita TV era uma facada. Eram tempos em que havia uma guerra se anunciando, um planeta morrendo, um messias se recusando a voltar... E a aquela praga de aparelho decidia me dizer coisas tão menos importantes que eu realmente me indagava do porquê eu ainda não o tinha vendido... Me indignava de como aquele jornalista podia ser tão vendido. Uma das Coreias se preparava pra bater nos donos do mundo.
Um dos meus astros favoritos havia morrido. Semanas depois anunciaram que meu whisky favorito estava pra ser extinto! Deixar de ser fabricado porque não tinha mais água na reserva... Pra que diabos esse mundo ainda 'tava girando era uma coisa que eu me perguntava todo dia... Ai a razão entrava pela porta da sala, desligava a caixa falante e ficava me encarando até que eu desabafasse alguma coisa.

-A verdade é que em algum lugar do caminho a porra toda se perdeu... O mundo tá indo pro vinagre já faz tanto tempo que não consigo mais acreditar em... hum... PORRA! Não consigo mais acreditar em nada. Não hoje. Hoje a coisa toda tá tão complicada que pode mesmo ser o fim.