31 de agosto de 2012

Cantiga do abandono

Sigo tão só
E o veneno lento,
atento,
me suga sem dó.
Falta pouco
e a noite surge,
urge.
Fico louco.

30 de agosto de 2012

O poder de um rei e de uma rainha

   Nota: Esse poema foi encontrado, junto de muitos outros, dentro dos diários pessoais da Rainha de Ursini anos após sua morte. Publicados na antologia Borboleta-rainha em homenagem ao centenário de seu nascimento, a maior parte deles trata da inesperada fuga do Rei para o reino de Licciardi e da surpreendente força e tenacidade com que ela comandou as terras destronadas que seu marido abandonara. "O poder de um rei e de uma rainha" traz o que seria a bandeira de sua bem-sucedida cruzada em prol de Ursini e é usado até hoje como um manifesto a favor dos direitos iguais entre homens e mulheres, pois mostra em forma de um discurso a capacidade que o sexo feminino tem de fazer as mesmas atividades do sexo oposto sem perder a excelência. A ideia, reforçada cada dia mais pela vida de superação da Rainha, persiste por gerações e provavelmente só deixará de ter significado quando a insistente guerra dos sexos terminar.

Reverências a quem me reverencia,
pois de vocês sou parte.
Saudações a quem me sauda,
levanto nosso estandarte.

29 de agosto de 2012

Sobre desistir e uma dica para vencer na vida.


Quantas vezes você já desistiu?

É muito fácil, se eu parasse de escrever agora isso não iria me impressionar, afinal é muito simples desistir.

Vamos pensar pelo lado positivo, desistir é muito cômodo, uma vez que é a melhor alternativa quando você não está a fim de solucionar aquele problema chato. Em minha vida já vi certas pessoas propagando a seguinte frase: “Recuar? Só se for para pegar impulso!” 

26 de agosto de 2012

A Galáxia Palahniuk e o Planeta Durden


Livro: "Clube da Luta" (1996), de Chuck Palahniuk, relançado esse ano pela editora LeYa.

     (Antes de começar, tudo bem, eu já sei: Infringi as duas primeiras regras do Clube da Luta. Talvez arranquem minhas bolas por causa disso, mas é por um bom motivo.)

     Imortalizado nas telonas, o rebelde Clube da luta, do americano Chuck Palahniuk, simplesmente surpreende. Facilmente a obra mais conhecida do escritor, o livro transgride e ultrapassa qualquer fronteira temporal, filosófica e social, revelando-se atual para nossa geração e ainda mais para as futuras. Isso porque as mais de duzentas e cinquenta páginas trazem reflexões essenciais à vida em sociedade do jeito mais eficaz possível: Com um soco na cara.

25 de agosto de 2012

Pináculo

     Uma sombra se ergue entre as paredes. Dúvida: Era a minha? A sua? A morte não me parece mais algo tão bom. Se você quer voltar de onde foi, então não. Coitado de mim, que queria tanto morrer. Você não quer que eu morra, certo? É o que imagino. A sombra dança no teto, tremeluzente como a chama de uma vela sacudida pelo vento indócil. É você falando comigo, eu já sei. Pode se acalmar, estou te entendendo. Eu te entendo. Alguém te entende, fique feliz. A sombra escreve na parede com seus dedos grandes e rígidos como batutas. Não consigo ler: Tudo treme. Nada fica em seu devido lugar.

21 de agosto de 2012

Velas e Hard Rock

     Ela sempre me dizia que velas eram românticas. A meia-luz proporcionada por elas deixava tudo muito mais interessante entre um casal, era o que ela martelava em minha cabeça. E, finalmente, quando consegui entrar na casa dela em uma noite dessas, me debulhei para fazer a melhor noite de amor para ela. Mas isso foi há tanto tempo que às vezes imagino se foi só uma história que imaginei um dia desses, ou mesmo um sonho que perdura no meu inconsciente.
     Um insight de uma história de amor de verdade.
     Digo isso por causa da mulher deitada no sofá, logo ao meu lado, mas que não toca em mim. Um ano atrás, essa mulher acreditava em príncipes encantados e até na possibilidade de ter filhos. Ela acreditava nas coisas, acreditava no mundo, acreditava em si mesma. Hoje, dormindo com um rosto contraído pela raiva que sempre está presente em suas feições, minha Bela Adormecida parece mais uma Loba Má, no pior sentido da expressão.
     “Nossa, vovó, por que essa cara tão feia?
     “É para você não me comer mais, Chapeuzinho.”
     Que indelicado.

20 de agosto de 2012

Ó céus, ó vida!


Ó céus, ó vida!
Sigo nessa pindaíba.

Sem carro onde colocar
o litro de gasolina
que eu ganhei na rifa
do boteco da esquina.

Sem dinheiro pra guardar
na carteira que achei
no banco da pracinha
onde ontem me sentei.

19 de agosto de 2012

A noite escura e mais todos nós


Livro: "A noite escura e mais eu", de Lygia Fagundes Telles. Publicado inicialmente em 1995 pela editora Nova Fronteira e relançado pela Companhia das Letras em 2009.

     O ser humano é a matéria-prima de um escritor. É bem difícil um livro onde não há exploração da mente e comportamento humanos, mesmo que refletidos em casas, animais ou objetos inanimados. Em A noite escura e mais eu, publicação de 1995 de Lygia Fagundes Telles (estou aprendendo a amá-la, por sinal), a psique de nossa espécie de polegar opositor é revelada em seu cerne, tanto em pessoas quanto em um cachorro e até mesmo em um anão de jardim. O incrível é perceber como a simples observação de um fato por um ser feito de pedra pode revelar muito sobre seres humanos - incluindo-nos nisso.

17 de agosto de 2012

O tempo dado às coisas


O tempo nunca é certo.
às vezes você está ali, 
durante a noite,
ouvindo uma música,
sentado numa poltrona
dentro da sua sala,
com um copo de bebida na mão
e o coração de uma mulher na outra;
quando repentinamente
você cochila e pronto:
seus músculos se contraem
involuntariamente.

16 de agosto de 2012

T.R.T. (Ou Uma receita para o ódio)

Quando eu nasci, um anjo doido me disse:
“Viverás no lugar errado pra fazer a coisa certa”.
- Cacau Gomes, poeta pernambucano.

            Há quanto tempo estou assim, esperando a verdade como se ela fosse ser deixada na caixa de correspondências como uma carta de cobrança? Verdade é cobrança, afinal. E são poucos que a pagam. Se ela viesse discriminada ali, junto dos impostos que pagamos em nossas refeições, nosso lazer, nossas necessidades, talvez fosse mais fácil sermos verdadeiros.
            Chega uma hora em que nem eu sei se o que estou falando é verdade, e quando chega essa hora parece tarde demais. Finco os pés no chão e não saio daquele tempo-espaço até eu conseguir acender uma luz no fim do túnel (pois cansei de esperar que ela fosse acesa ou estivesse lá sem esforço algum). Do fundo do poço até o fim do túnel, inúmeras vezes. Crise de meia-idade tendo nem um quarto de idade que se preze.

14 de agosto de 2012

Última estrada

Andando por bares,
fugindo aos olhares
de reprovação,
eu busco você
no fundo dos copos
em que bebo e me afundo
e me afogo sem pensar.

13 de agosto de 2012

Brincadeira de criança


I - O nascimento


No centro existia uma igreja, ao redor foram crescendo as casas, as feiras aconteciam em torno da igreja aos domingos, a população era feliz. Essa rotina durou dois séculos, até que nos montes que cercavam o município foram encontrados diamantes e minas de ouro, então o desenvolvimento aconteceu: a avenida principal ganhou destaque, virando sede de importantes negócios e logo o céu começou a ser riscado por todos aqueles blocos empilhados. A igreja foi conservada nos modelos góticos e ampliada,  tornando-se mais uma das obras faraônicas daquela cidade. Tudo era grande e seus habitantes aos poucos se tornaram gigantes, em todos aspectos, escravos da tecnologia, vivendo toda e qualquer vida menos a deles. E a cidade? Crescia de norte a sul e leste a oeste. Entretanto, enganou-se quem achou que este ser crescia só por extensão, comendo quilômetros conurbados de outras localidades. Nas entranhas daquela cidade existia um monstro chamado Urbano, ele era o espírito que viva em cada átomo da megalópole. 

Ele era a própria cidade, e estava cansado.

Urbano foi por muito tempo testemunha ocular de todos os crimes hediondos, como os assassinatos diários causados por todo tipo de psicopata. Ele estava lá vendo crianças morrendo no colo de suas mães sem ter o que comer nos faróis e em outros para ver crianças escravizadas pelos pais. Ele ouvia pelas rachaduras das casas o grito desesperado das mulheres que eram espancadas pelos seus maridos.Todos os problemas sociais ao longo dos anos ferviam-lhe a consciência deixando Urbano uma cidade sem fé, sem fé na ideia de não interferir no destino das pessoas.

12 de agosto de 2012

Leitura nada tranquila


Livro: "Keep the aspidistra flying" (1938), de George Orwell. Lançado pela editora Itatiaia sob o nome "Mantenha o sistema" (2000) e pela Companhia das Letras sob o nome "A flor da Inglaterra" (2007).

     Essa postagem está inaugurando uma nova ramificação das postagens do Mínima Ideia: Resenhas e dicas de livros para o nosso leitor que, provavelmente, lê muitas outras coisas além de nossos contos e poemas. E, se não lê, por que não começar por esse livro?

     ...

     Na verdade, é melhor não começar com esse livro. Se você quer uma leitura tranquila para pegar no tranco, O pequeno príncipe é sempre uma boa pedida. George Orwell de modo algum pode ser considerado "leitura tranquila".

10 de agosto de 2012

Vaivém

     Existem coisas que simplesmente não consigo aprender: Por exemplo, esses sapatos de salto alto sempre, sempre mesmo, machucam meu calcanhar. A questão estética fala mais alto, mesmo assim.
     “Só que você sem maquiagem já não fica mais tão parecida comigo”, disse a garotinha no balanço ao meu lado. Ela ia e voltava, voltava e ia como se não fizesse parte do tempo.
     Ela tinha razão: Eu já não tinha muita graciosidade sem maquiagem. As marcas de espinha eram quase uma razão de vergonha, e meus lábios haviam murchado e se tornado duas lâminas de carne sem muita vida. A garotinha continuava exuberante, com lábios corados e saudáveis e pele invejavelmente lisa. E ia. E voltava.
     “Não ando ligando muito para meu rosto por trás disso tudo”, retruquei.
     “Pois devia. Você está criando uma dupla personalidade com essa atitude”, a menina disse e quase a esbofeteei. Ela está achando que é minha psicóloga? “Enfim, a vida é sua agora, e não mais minha. Como vai o Bira? Desde a última vez que nos falamos que não sei dele...”

7 de agosto de 2012

O marujo

Com que olhos você vê o mundo?
Porque eu o vejo no mesmo tom que ti.
Vejo como um vermelho carmesim
tão diferente de uma tarde no fim
mais semelhante a pedra do sol, rubi.

Vermelho profundo que gira o mundo
na rotação de dias eu vou seguindo
com a esperança de te fazer entender
nossa tão estranha semelhança:
Ver.

6 de agosto de 2012

Animalidade

Aquilo vai consumindo,
queimando o corpo por dentro,
sujando as mãos de sangue,
ódio, rancor e sofrimento.

As bochechas, antes rosadas,
agora estão sujas de graxa
e sentem ainda a dor do tapa dado.

As coisas acontecem inexplicavelmente.

Não se racionalizam os sentimentos.

Eles são instintivos, vorazes.
E te enlouquecem, sufocam, te matam.

As horas passam como minutos
e a obsessão não sai dali.
Fica presa aos seus olhos,
como o clarão do sol
sobre os olhos acostumados à escuridão.
A obsessão te cega, te ilude e te corrói.

A corrupção te domina,
faz de você um fantoche.
Você assim agride, xinga, machuca.

Tudo isso em nome da animalidade
inerente a todos os humanos.
Às vezes, ela consegue ser maquiada.


Mas nunca morre, apenas adormece.

4 de agosto de 2012

Apocalipse, 11. 9

Anteriormente na saga de Zara, o caçador de anjos:



“Durante três dias e meio, os povos de todas as nações, tribos, línguas e raças olharão para esses dois corpos e não deixarão que sejam sepultados.” (Apocalipse – ou a revelação de Deus a João –, 11. 9)


Lá estava eu indo ao banheiro de uma loja de conveniência trocar de identidade. Não era seguro ser uma mulher árabe nos Estados Unidos, principalmente depois do que havia acontecido, então aproveitei aquele local sujo e vazio para me transfigurar em uma garota de pele acinzentada e ossos proeminentes, uma punk tipicamente britânica do tipo que vi quando visitei Gaar. Um moicano, talvez? – voilá. Esses tênis preto-e-brancos com a marca de um pentagrama não pareciam muito confortáveis, mas é o que essas punks usam, então que fiquem em meus pés. Um short e um colete jeans que deixam meu corpo mais esquálido ainda? Manda! E a maquiagem, claro. Não pode faltar um lápis de olho, um rímel, uma base para deixar o rosto mais cadavérico ainda... e os olhos? Cinzas, bem melhor. Sobrancelha fina e nariz bem menor, mas com pelo menos três piercings. No espelho, vi que eu seria taxado de anticristo no ato se Deus me visse assim no Céu.

3 de agosto de 2012

Saudades de um Sarau. (Abril despedaçado,capítulo aleatório)


Olá
Gostaria de convidá-los a entrar em um espaço paralelo. Algo anacrônico, talvez atemporal, algo como uma coleção de contos e crônicas. Sejam todos bem vindos aos lapsos da memória de alguns adolescentes e seus casos amorosos. Fragmentos de histórias, conversas de casais, vislumbres do futuro, lampejos do passado. Estejam à vontade para imaginar quem vocês quiserem no lugar dos personagens, e qualquer semelhança está bem longe de ser obra do acaso. É meu dever lembrar que o que será mostrado aqui não é nenhum tipo de declaração a ninguém, ou qualquer especie de apelo... É um emaranhado de textos que não estarão necessariamente conectados de forma lógica... Aliás, também devo advertir que lógica por aqui é um conceito bem mais romântico do que se imagina e que pode se encontrar muito mais significado se optarem por sentir, ao invés de entender. Acompanhe-me então todo aquele que quiser ver o mundo através dos olhos de alguém que inalou poeira de estrela, dançou com fadas, cortejou a lua e desafiou o tempo.
 Em primeira mão,uma história repetida ,falando sobre as saudades de um sarau.

 Não levo da existência uma saudade! E tanta vida que meu peito enchia Morreu na minha triste mocidade!" À sina doida de um amor sem fruto... E minh’alma na treva agora dorme Como um olhar que a morte envolve em luto".

Atenciosamente,
seu amigo.Wolf



A história de hoje,aconteceu em 2010.Um Abril despedaçado,um relacionamento que terminou sem adeus,e um pseudo poeta adolescente. Uma guria que ninguém sabe se realmente existia,e tudo isso colidindo em um só dia. Esse é um micro capítulo da história de amor que arrebatou muitos meses das vidas de duas pessoas,e estou aqui para simplesmente contar o ocorrido... para maiores explicações,pergunte para alguém que o tenha vivido.

1 de agosto de 2012

Onde há paz

(Um crossover com Sub Jove)

Anteriormente na saga de Zara, o caçador de anjos:



“Mas vejo uma lei diferente agindo naquilo que faço, uma lei que luta contra aquela que minha mente aprova. Ela me torna prisioneiro da lei do pecado que age no meu corpo. Como sou infeliz! Quem me livrará deste corpo que me leva para a morte?” (Carta de Paulo aos Romanos, 7. 23-24)


Debaixo de Júpiter, me desespero.
Isso é a morte?, indaguei-me. Parecia algo tão irrisório diante da grandeza da vida, e eu não estava com a menor vontade de morrer de tal modo inglório: Sangrando ininterruptamente por vários cortes e furos de sabres e punhais de saqueadores em meu corpo desnudo. A areia do deserto, que outrora aconchegara minha existência, agora penetra essas feridas como grãos de fogo, fazendo-me chorar infantilmente de dor.

Debaixo de Júpiter, eu agonizo.
Não me levaram nada importante, só o meu insignificante dinheiro que eu usava no máximo para trocar por alimento para meu camelo. Ele, por sinal, está caído na mesma areia picante que eu, já sem vida e com larvas e lagartos se alimentando de suas entranhas. Minha roupa, retalhada e formando um leito de morte à minha volta, estava cheirando a morte. À minha morte, tão próxima e tão insignificante.

Debaixo de Júpiter, eu fecho os olhos.
Não há muito para ver no mundo externo quando se está morrendo. O que importa é ver sua própria linha do tempo trespassando suas veias e artérias entupidas de ódio e ressentimento que não foi expelido a tempo. Do mesmo modo que um rançoso muco que se desprende dificilmente de nossa garganta, muitas desculpas que deveríamos ter pedido ficam lá na hora da morte, fechando nossa glote e nos impedindo de continuar a respirar. A hora da morte é a hora da reflexão. Às vezes a vida não nos dá tempo o bastante para nos livrarmos de nossos arrependimentos.

Debaixo de Júpiter, eu sangro.
Músculos fracos e cabeça zonza são tudo que me resta. A luz incandescente do deus Sol embebe minha dor, fazendo a ardência ser demasiadamente venenosa e bestial. Todo meu conhecimento, toda minha bênção... tudo não valia mais a pena. Nenhuma pessoa sequer sentiu o gosto de ter os poderes divinos que me eram inerentes. Um conhecimento perdido, uma bênção renegada. Nunca fui digno do que recebi dos céus.

Debaixo de Júpiter, havia uma pessoa.
Um anjo, que se ajoelhou do meu lado e me reconheceu. Viu todos os pesares que causei e todos os que me foram causados. Minha barba malfeita e unhas desproporcionais denunciavam que eu já não tinha o menor apego com vaidade. Toda a força que eu tinha, a força que os céus me deram quando nasci anjo, foi desperdiçada por mim quando desci à Terra e vi a total desesperança nas atitudes dos homens. Pequei junto a milhares, milhões – bilhões, até. Tornei-me tão igual a todos os pecadores que já não sabia mais como voltar para o Reino dos Céus. Assim, trilhei meu caminho de iluminação esperando que só eu fosse iluminado. Ledo engano, o meu: Um ser iluminado que não ilumina tem o mesmo valor de uma sombra. Vejo assim.

Debaixo de Júpiter, eu peço.
Encarecidamente, estendo meu diário ao anjo. “Queime-o”, peço quase sem voz. A memória daquele dia deveria ser entregue a Deus, como eu o seria. E assim o anjo fez, logo após pegando sua reluzente adaga de sua cintura e rasgando meu pescoço, levando-me ao além, ao além-mar, além-terra, além-mundo. De volta a Deus.”


A parte boa disso, no final, foi não precisar fazer muita coisa para executá-lo. Coitado do Pagiel, tão jovem e tão corrompido pelo planeta Terra... Não aguentou a pressão, fazer o quê.
Retirei o suor petulante da minha testa (agora feminina e de traços árabes, com direito a narigão e sobrancelha grossa, uma lindeza) e vi as últimas plumas do tal nômade sumirem em fachos de luz. Fiquei sabendo que vira ao planeta com a aparência de um homem-feito de trinta anos, mas ficou bestificado com toda a parte ruim da natureza humana, assim ensandecendo e se isolando aqui no Saara (Olha, até parece Zara. E se aqui na Terra eu chamasse Zaara?). Ele foi mais um para o qual minha visita provavelmente havia sido uma segunda chance, e não um castigo.
Fiz uma almofada com as roupas de Pagiel e me sentei, pegando o cantil de metal que comprei em uma feira de Cairo e me esbaldando com a água terrosa que havia lá dentro. Por um momento me lembrei de todos os drinques que tomei em São Paulo no dia em que fui executar Esmirna e quase cuspi o líquido no chão, tamanha era a impureza daquela água. Mas, bem, era o que eu tinha para aquele dia. Melhor do que morrer pelado no deserto, pelo menos.
Naquela imensidão que era olhar à minha volta no deserto, só consegui pensar o quão bom era, depois de perambular por várias metrópoles, ouvir o som do vazio. Não ter um barulho ambiente entrando, violando meus ouvidos. Acho que essa violação sonora deve explicar muito do “estresse da cidade grande” (Expressão legal, né? Aqui na Terra usam bastante em noticiários e coisa e tal).
Aqui, debaixo de Júpiter, há paz. E aposto que Pagiel nem notou isso.
Vejo assim.
Era assim que ele falava, não era?