16 de setembro de 2012

"...Mas a memória permanece."


Livro: "Metallica - a biografia" (2010), por Mick Wall, publicado esse ano pela Globo Livros.


Uma pulga atrás da orelha me diz o quão complicado é ler uma biografia, principalmente a de uma das bandas que mais se controverteu nesses mais de trinta anos de carreira. Metallica - a biografia é um relato ríspido e cru das divisões de águas que a dupla James Hetfield e Lars Ulrich (guitarrista/vocalista e baterista, estampados monocromaticamente na simples e eficaz capa) fez no mundo do heavy metal, levantando sua bandeira ao lado do rock de Elvis Presley e do pop de Michael Jackson e transformando o agressivo estilo musical em folclore ao redor do mundo. Isso é inegável — ver uma artista como Shakira cantando um sucesso do Metallica é a grande prova disso —, mas o que se pode afirmar com certeza sobre aquela cambada de garotos espinhentos de Los Angeles quando suas histórias são contadas por um ponto de vista tão próximo da banda?
Mick Wall começa cada capítulo com uma pequena memória em itálico: Em uma, Lars está no banheiro enquanto ele ouve o que seria as primeiras demos de ...And justice for all (1988). Em outra, o conceituado jornalista se depara com a caricatura milionária de James Hetfield e se pergunta o porquê daquele comportamento premeditadamente explosivo do frontman do Metallica. As aspas, então, tomam conta dos capítulos, colocando palavras na boca de todos os músicos que já pisaram no terreno minado da banda e das pessoas próximas o bastante para se afogar nas águas profundas que o Metallica dividiu. Polêmicas vêm à tona: Quem é Dave Mustaine, o renegado ex-guitarrista do quarteto que, de tanto orgulho ferido por ter sido demitido, construiu uma banda de legado tão grande quanto o de James & Lars Associados, o Megadeth? Até onde vai esse orgulho ferido? Mick Wall diverte a maioria dos conhecedores da história mostrando um déspota e infantilizado Dave que ainda chora todas as noites em que sabe que não está no lugar de Kirk Hammett, guitarrista solo da banda. Isso segue como verdade e aqui não é lugar para debater esse mérito.
Cliff Burton, o lendário e exímio baixista da banda, continua sendo o responsável pela bênção e pela maldição do grupo. Sua morte ainda é o fardo mais pesado que o Metallica carrega e que parece fazer com que eles não tenham controle de si mesmos e acabem se contradizendo a cada álbum lançado. Ademais, o singular St. Anger (2003) é rechaçado sem dó  e nisso não há novidade —, os membros da banda realmente almejaram a acessibilidade extrema de suas músicas no Álbum Preto de 1991 e Death Magnetic (2008) soa caquético para Mick. Para uma banda repleta de controvérsias, a biografia escrita pelo autor de Quando os gigantes caminhavam sobre a Terra (aclamada biografia dos monstros do Led Zeppelin) é deveras comportada.
O livro, afinal: Uma Tábua da Salvação Headbanger de mais de quatrocentas páginas recheadas de nomes de gravadoras e resenhas de álbuns do Metallica para nenhum metalhead botar defeito. Poucos — mas bem colocados — toques de humor reservam certa personalidade impressa nas letras de Metallica - a biografia, que conta como um dos primeiros membros da banda foi injustamente demitido e não era Dave Mustaine; como James é humano o bastante para se mostrar transparente mesmo recluso em seu mundo de Oz; como Lars tem uma das personalidades mais cativantes e convincentes de que o mundo real já ouviu falar. A riqueza de detalhes é impressionante e mostra sem floreios a face humana da maior banda de heavy metal de todos os tempos, título que ostenta sem concorrentes.
Minha dúvida permanece, no entanto: Mostrar o Metallica como uma banda que se deteriorou como um viciado em heroína, dar seu rosto a bater, a espancar se necessário, é o bastante para nos convencer da verdade? Mas desde quando uma biografia quer nos convencer da verdade? Metallica - a biografia é a história que todos conhecem, que todos acreditam, temperada com mais sensibilidade e menos orgulho, paixão e glória. E, sim, não tenho dúvidas, é a história de uma das últimas bandas a estampar o nome nas estrelas.

Aposto que você não sabia que... Jason Newsted, o baixista contratado logo após a morte de Cliff Burton, sofria bullying dentro da instituição Metallica. Sempre tido como o "Newkid", o garoto novo, não tinha espaço nas composições, não se enturmou com a banda e não esteve em sintonia com nenhuma das mudanças controversas que o resto do grupo fez. Isso foi justificado ironicamente pelo fanatismo que Newsted tinha pelo Metallica, que aos olhos de James e Lars fazia do baixista um instrumentista  sem voz ativa e submisso à vontade dos ídolos. Garanto que esse não é o melhor jeito de se tratar um fã, então não achem que depreciar um membro da banda é o caminho para o sucesso.

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