12 de setembro de 2012

Fim de festa

Fonte:  http://iszzzz.deviantart.com/gallery/?offset=48#/d2i8us0 

Acordo vestindo somente um sutiã rendado que não é meu. Onde foi parar a calcinha? Aqui, embaixo do sofá, acho um trapo rendado e creio ter encontrado a peça. Atrás do sofá, então, encontro um homem dormindo. Foi você que tirou minha calcinha, infeliz? Chuto as costelas dele com toda a força que posso — e que não é muita — e ele nem se anima a acordar. Deve estar tão bêbado que se eu colocá-lo em uma banheira vai acordar pensando que está em alto-mar. Coitado.
Coloco a calcinha em meu corpo enquanto ando, o que não é nada recomendável quando você acorda com pontadas intermináveis na cabeça e o amargo sabor de maçaneta na boca. Beberam tequila do meu umbigo, lembro. Coloco um dedo no umbigo, fricciono e levo ao meu nariz. Álcool. Me lambuzaram de bebidas alcoólicas nessa noite. Me lambuzei de pessoas nessa noite. Tropeço em duas pessoas enquanto coloco o maldito trapo rendado e chego no que parece ser meu quarto. Só parece, mas não é: Quarto de hóspedes. Destrancado e com cinco pessoas dormindo em um padrão caleidoscópico na cama de casal. Não sei distinguir homens de mulheres, mas todos estão nus como se a cena acontecesse em um comercial vanguardista de perfumes. Coloque frases sem sentido faladas por uma voz grave e deixe esse quarto em tons de preto e de branco e você terá a nova fragrância da Hugo Boss com o amadeirado toque de sândalo.
Uma das pessoas no caleidoscópio grunhe como um tigre. Essa eu conheço. Cabelo em um chanel desgrenhado e do azul da chama do fogão, pele branca como minhas escleras. Ela deve ter bebido tequila em meu umbigo ou foi quem deu essa ideia. Não acordou, infelizmente, e se recostou com seu corpo nu em meio a dois outros corpos que pareciam ser masculinos.
O quarto da frente é o meu, então. Ando segurando minha cabeça latejante com uma mão e qualquer apoio na outra. Meu cérebro faz movimentos centrífugos dentro da caixa craniana e meu bulbo parece querer explodir como um tomate esmagado por um caminhão. E, para melhorar as coisas, meu quarto está trancado. Sou obrigada a chutar a porta até que eu possa ter acesso a ele. Merda, meu pé está doendo. Devo ter quebrado algum osso, mas tudo bem. Não é o que me interessa agora.
A pior coisa que fiz em meu quarto foi colocar um ventilador: Agora há uma pessoa sobre ele, e logo abaixo está uma poça de vômito que saiu da boca manchada dela. Além desse desgraçado há pelo menos umas dez pessoas salpicadas em meu quarto como se fizessem parte da decoração. Havia gente que se esticava da cama para o chão como o relógio de Salvador Dalí, assim como havia corpos mais comportados dormindo em posição fetal sobre os criados-mudos. Aquela mulher, que usava um vestido amarelo que contrastava com sua pele negra, dormia sentada no chão abraçando outra mulher, essa sem roupa. Três homens — uma boyband — dormiram na própria cama, e algum engraçadinho colocou as mãos deles em posições comprometedoras. Eles eram gays, lembrei, e provavelmente adormeceram daquele jeito, apalpando as coisas um do outro.
Enfim.
Abro o guarda-roupa, pego um sobretudo e o visto. Meu cérebro centrífugo diz que os sobretudos não servem só para nos aquecer quando o clima está inaceitavelmente frio.
Sobretudos são a preguiça em forma de roupa.
Vista um sobretudo e você está vestido, não importa o que (não) há sob ele.
No meu caso há uma lingerie com rendas translúcidas e que não é minha.
Sento na cama e sacudo o ombro de meu namorado, que jaz desmaiado sobre uma pilha de roupas de desconhecidos com o amadeirado aroma de sândalo, de vômito, de tequila e de secreções. Hugo Boss não venderia um perfume exótico desses. Ele também não acorda, mas também não grunhe. Meu namorado e aquela pilha de roupas tinham a mesma serventia: Sujar meu quarto.
Estou descalça, com um sobretudo vestindo meu corpo que cheira a tequila, e estou saindo de minha casa. Passo pelo jardim e vejo mais pessoas caídas como em um desses apocalipses zumbis que estão na moda. Dormem como anjos, mas foram demônios na noite anterior, consumindo anfetaminas como se fossem balas de hortelã e fazendo sexo até não haver mais uma gota a ser expelida na hora do orgasmo. Em nove meses a população mundial aumentará em pelo menos vinte bebês, e cada um desses bebês terá pelo menos quatro pais. Silêncio. O Éden deve ser assim, silencioso. Vejo pessoas inconscientes que beberam da garrafa do conhecimento e acreditaram na cobra de Lúcifer que fica no meio das pernas de cada homem e penso que fomos expulsos do Paraíso e o que nos resta é o pecado.
Acho uma garrafa de tequila jogada na relva. Há pelo menos um gole nela. Vejo um dos homens que provavelmente me engravidou na última noite e despejo o líquido ocre em seu umbigo. Bebo, me delicio, me lambuzo. Ele não acorda. Eu sou Will Smith, eu sou a lenda bebendo tequila no umbigo dos manequins. Estou só. Quero dizer, eu e o óvulo que deve estar germinando dentro de mim, dando origem a mais um pecador.
Esse não é o Éden, penso, e eu não engravidei do Espírito Santo. Jogo a garrafa no tronco de uma árvore e ela se estilhaça como uma estrela que explode em uma supernova. Estou em um quadro de Dalí e não há um salvador. Não há nada além de óvulos fecundados se multiplicando. Nada além de caleidoscópios de pessoas. Nada além de garrafas de tequila sendo esvaziadas em corpos nus. Nada além de uma festa sem fim onde não há regras nem restrições e que alguns chamam de pecado. E qual é o problema nisso tudo? Deito na grama, abro e esparramo meu sobretudo e deixo que a espada flamejante do Sol me leve desse mundo e faça meu cérebro parar de rodopiar.

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