27 de setembro de 2012

Estrela cadente

Estávamos tomando nosso café. Como sempre, eu estava com minha xícara do Batman, cheia de café preto fumegante, lendo meu jornal, na seção de esportes. Ela estava com sua camisola da Minnie, do tamanho de uma camiseta, e usando uma cueca feminina. Comia cereal numa tigela azul desbotada, mais velha do que a história do mundo.
— Quantos meses há nos meus olhos?  ela me perguntou, enquanto me encarava e segurava sua colher cheia de cereal a meio caminho da boca.
Tirei meus olhos do jornal e a encarei melhor. Ela era mesmo linda. Não sabia como eu havia parado na vida dela. Talvez fosse obra do destino. Talvez fosse muito azar na vida dela, não sei.
Seus olhos eram profundos demais. Se fossem janelas de sua alma, ela devia estar escondida em algum quarto, embaixo da cama, e daquelas janelas não se podia ver nada. Eram olhos de poço, um poço sem fundo e sem explicação. Parei de olhá-los antes que eu caísse do parapeito que me separava do buraco.
 Que quer dizer com isso?  desconversei.
 Quero que me diga quantos meses você vê em meus olhos.  ela me respondeu, enquanto as grandes circunferências negras se fixavam ainda mais em mim.

Aquilo me doía. Ela me invadia com os olhos, meu rosto queimava de algo que não sei explicar. A colher ainda continuava estática. Vamos, mulher, mova essa colher! Meus pensamentos não adiantaram. Ela continuava me encarando, como se a resposta fosse se dar apenas através disso. Mas seus olhos só pioravam a situação. Eu estava cada vez mais nervoso. Comecei a respirar sofregamente, nervoso. Até esquecera-me de meu café.
 Muitos.  finalmente consegui falar.
 Muitos quantos?  parecia que ela chegava a cabeça junto à minha, eu me sentia enclausurado.
 O bastante para poder tomar cervejas.  desconcertado, tentei fazer uma graça, mas não adiantou. Agora ela me encarava mais firmemente.
 Ah, é? E quanta cerveja eles poderiam tomar, então?
 Ora, acho que talvez encher a cara o suficiente pra cair na sarjeta.
 E eles conseguiriam levantar depois?
 Claro! Sempre levantam. As estrelas sempre foram um ímã pros seus olhos. Fariam com que eles se levantassem.  eu disse, e só conseguia pensar como era ruim ser dia, e não haver estrelas para tirar a atenção que aqueles olhos me davam.
 E depois disso?  ela me perguntou, baixando um pouco a mão que segurava a colher.
 Bem, depois seus olhos bêbados escolheriam uma estrela em especial e se apaixonariam por ela. Diriam que a amavam, mas seria mentira, pois não passaria de conversa de bêbado.  falei, enquanto ela finalmente baixava por completo a colher.
 E as estrelas acreditariam?  ela me perguntou, com um brilho diferente nos olhos, que eu mal conseguia encarar.
 Sim, elas cairiam por seus olhos. Estrelas cadentes por seus olhos. Acho que foram assim que elas começaram. Toda estrela cadente deve ser uma estrela apaixonada por algum par de olhos.
 E alguma estrela já se apaixonou por seus olhos?  ela me perguntou.
 Não, acredito que não. Meus óculos fazem com que elas não vejam o que eles carregam. Eu vejo as estrelas melhor, mas elas veem apenas diminutos olhos marejados, tão rasos quanto um filete de água na rua após a garoa. — falei, já com olhos embargados.
 Isso é muito triste.  ela me disse, fazendo-me carinho com seus olhos. Já não me sentia mais desconfortável, agora eu estava bem, feliz. Ela me alegrava, e eu bendizia o dia em que o azar entrou na vida dela.
 É, bem triste. Mas não preciso que as estrelas do céu caiam. Minha estrela cadente há muito desceu do céu, e hoje usa uma camisola da Minnie e come cereal no café da manhã...

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