30 de setembro de 2012

Cópia cópia cópia


Livro: Estilhaça-me (2011), por Tahereh Mafi, publicado esse ano pela editora Novo Conceito.

Não sei se vocês se lembram da minha resenha d'O senhor da chuva, do André Vianco, onde discorro sobre a desprezível principiante capa do livro. Pois é, continuo achando que a capa é fundamental para o sucesso de uma obra, mas resolvi abrir uma exceção para o cintilante Estilhaça-me, de Tahereh Mafi, principalmente porque li o primeiro capítulo e me interessei bastante pela escrita poética da americana.
Sobre a capa: Ela me dá todos os motivos possíveis para não ler o livro. Brilhante, estampada com uma modelo totalmente desconexa e adereços como um QR Code, comentários bajuladores e frases de efeito sem efeito algum por todos os lados. Passei por ela com obstinação e me deparei com um ótimo pano de fundo, que consiste em um mundo distópico onde Juliette, uma garota de dezessete anos com o poder de desintegrar pessoas, foi trancafiada por causa de um assassinato que cometeu por causa de sua curiosa habilidade. O Restabelecimento — o governo vigente dessa distopia , então, resolve usá-la como instrumento de tortura. Isso, no entanto, acaba não se concretizando para que ela fique de melação com Adam, um dos soldadinhos de chumbo do Estado, e daí para frente tudo despenca ladeira abaixo.

29 de setembro de 2012

Inumano

There is blood in all the things I say.
("Blood on our hands", by Death from Above 1979)
Foto original: http://goo.gl/vdfXy

- Uma história da Terra de Confusões.

   A danificada cabeça de Chloe voltou-se para o horizonte em puro reflexo. Randy, perplexo com a convicção dos movimentos de sua hóspede, não deixava de fitá-la com seus apertados olhos. Não compreendia o apocalipse que aniquilava a mente da adolescente a cada dia passado, e tampouco entendia o que aquela faixa ensanguentada ao redor dos olhos dela significava.
   — Existem verdades aí fora, garoto — ela dizia com a ironia de ser cinco anos mais nova que o jovem adulto que a recolheu das ruas — Verdades as quais você não teve acesso. Você me disse que seus pais são vendedores de armas, que alimentam a guerra com carcaças de mortos. Disse que fugiu de casa para nunca mais vê-los. Não tiro sua razão... nunca tirarei, aliás. Mas você perdeu a valiosa oportunidade de entender muito mais desse mundo tóxico ao qual estamos expostos.

28 de setembro de 2012

Verborragia

A sorte me sorriu um sorriso torto, pra tentar entorpecer-me e tragar os tantos tédios e tensões da minha vida. Mas era irônico o sorriso e foi assim preciso mais de um aviso pra que eu notasse a ironia. Fui um tolo, tonto, cego, e assim inflei meu ego, na certeza da sorte grande. Ah, mas de longe veio a cavalo um enorme azar, a galope, que me derrubou, em estado torpe eu fiquei com as calças na mão. Apanhou-me a Zezé azarada, malvada, malvada! E assim me deixou sem nada, e com nada me contentei. Os sonhos de outrora fugiram, os castelos de areia caíram e os leões de minha fome rugiram, mas a carne pra dar-lhes faltou. Meus olhos, que acostumaram-se com a luz, de hora pra outra caíram na escuridão. A escuridão dos fracos, buracos e do velho babão. Babava e contava histórias, todas sem fim nem final, e sentado sobre seu colo fiquei num estado tão anormal que no fundo eu cochilei. No cochilo, tive sonhos tão loucos, onde poucos gritavam, bem roucos: Onde está? Eu não sei. E andava errante na estrada, sem destino, sem carro, sem nada, andando e bebendo uns goles de acre bebida. Perguntei aos céus por onde andava a sorte, e a resposta foi algo de morte, nem me atrevo a falar, que sorte atrevida! Ah, se eu soubesse que seria assim, teria aproveitado melhor meus bons dias, se suspeitasse das atuais agonias, faria tudo diferente e dobrado. Mas um tolo como eu tem que ser castigado, amassado e pisado, parafusado e pendurado como carne na padaria. Carne na padaria? Estou ficando meio adoidado, tão confuso e tão complicado que vou parar por aqui minha verborragia.

27 de setembro de 2012

Estrela cadente

Estávamos tomando nosso café. Como sempre, eu estava com minha xícara do Batman, cheia de café preto fumegante, lendo meu jornal, na seção de esportes. Ela estava com sua camisola da Minnie, do tamanho de uma camiseta, e usando uma cueca feminina. Comia cereal numa tigela azul desbotada, mais velha do que a história do mundo.
— Quantos meses há nos meus olhos?  ela me perguntou, enquanto me encarava e segurava sua colher cheia de cereal a meio caminho da boca.
Tirei meus olhos do jornal e a encarei melhor. Ela era mesmo linda. Não sabia como eu havia parado na vida dela. Talvez fosse obra do destino. Talvez fosse muito azar na vida dela, não sei.
Seus olhos eram profundos demais. Se fossem janelas de sua alma, ela devia estar escondida em algum quarto, embaixo da cama, e daquelas janelas não se podia ver nada. Eram olhos de poço, um poço sem fundo e sem explicação. Parei de olhá-los antes que eu caísse do parapeito que me separava do buraco.
 Que quer dizer com isso?  desconversei.
 Quero que me diga quantos meses você vê em meus olhos.  ela me respondeu, enquanto as grandes circunferências negras se fixavam ainda mais em mim.

26 de setembro de 2012

Coração ensaboado

Foto original: http://goo.gl/TZQCV

O lápis escorrega cambaleante da minha mão suada e penso como seu coração escorregou dessa mesma mão como um sabonete no banho. Tão facilmente, lá estava ele no chão, sem valor, vagueando pelo ralo. E meu cotovelo encosta na escrivaninha que já não serve mais para escrever e a mão na ponta desse mesmo cotovelo — sim, claro, a mesma que deixou seu coração ensaboado escapar — tenta servir de prateleira para que minha cabeça descanse feito livro. Livro que já foi aberto inúmeras vezes, lido por pessoas demais e agora se vê fadado ao ostracismo.
E, juro, pensei que você terminaria esse livro.

24 de setembro de 2012

À noite


Vou te procurando por aí, por todos os lados, ao sabor do vento, como uma sacola plástica. Tal a sacola, vou vazio por dentro, sem rumo, sem sentido. As noites servem pra gente vagar, sentir o ar frio bater no rosto, os ossos congelarem. Os pensamentos ficam a mil, a adrenalina corre nas veias, a excitação domina. Mas não te encontro em lugar algum. Onde você foi parar? Os dias têm sido difíceis, sabe? Não estou te pedindo muita coisa, só quero te ver. Talvez as manhãs assim possam voltar a ser quentes e as tardes felizes. O fim da noite me esmorece, o nascer do sol já não me anima; eu ainda ando na rua. Por fim, tento olhar em alguns bueiros, quem sabe você os tenha descido com as enxurradas? Não, não te acho nas bocas de lobo, minha chapeuzinho. Antes soubesse de má notícia, vá lá; mas não, não sei onde você está, e isso é que mata. Você deve estar se rindo toda, com aquela risada gostosa sua, de algum lugar por aí. Deve estar se rindo de mim. Sabe que meus dias são seus, e você os gasta como se fosse uma criança comprando doces; você apanha todos eles, come os que quer e deixa o restante ao léu. Você é mimada, e como é. Jogo meus dias no lixo, pra me recuperar das noites obscuras em claro. E tudo por você, e o que você faz? Inexiste. Mesquinha, me nega meu próprio amor; imbui-me na noite. Ah, já não sei mais pra quê isso. Tudo não faz sentido e nada está certo. Você foge e não deixa vestígios; inexiste, mas me perturba. Estou cansado das brincadeiras de esconde-esconde. Vou me levar pra casa e me expor, vou me libertar de suas amarras; dar um fim ao suplício que é não saber de você e de mim. Vou me fundir à noite por completo, me tornar um de seus sopros, tão leves e rápidos. Quem sabe assim eu possa te encontrar ao longe.

22 de setembro de 2012

O Sol às seis

Foto original: http://goo.gl/9vdQK

Musiquei o pôr-do-sol de hoje só para que você possa tê-lo para sempre. Tristes seriam os dias, pois, se não tivéssemos um pôr-do sol como esse. Sereias sedutoras e botos cor-de-amor se encontram e se desencontram no horizonte, prontos para encantar e abandonar. Estava eu nadando com eles nesse oceano de incertezas, onde jazem corpos que tais mães d'água abortaram de tanta tristeza. Tristeza no pôr-do-sol onde o elíptico deus brilha como uma moeda de ouro: Isso não pode acontecer. Toco as notas e entrego-lhes em uma sequência de imbatível prazer. Você se regozija com a melodia, perfumada e iluminada como seu corpo nu.

21 de setembro de 2012

A caixinha

Pego os retalhos e coloco todos juntos naquela caixinha. O coração sofre, mas supera. Sempre supera. Os olhos perdem o horizonte às vezes, mas há sempre um céu para o qual olhar. Agora, pego a caixinha e guardo dentro da gaveta de meias, lá no fundo dela. Mal mexo nas meias, não junto os pares em bolinhas, como quase todo mundo. Minha gaveta de meias é meu mundo: desorganizado, uma confusão de pés e de histórias furadas. Talvez a caixinha organize a gaveta. Talvez não. Talvez eu queira organizar a gaveta, pra não fazer feio na frente da caixinha. Mas ela já me conhece, faz parte de mim. Dentro dela estão os papéis borrados de lágrimas: as cartas dela; estão as embalagens de bombons, as flores velhas e mortas como minha esperança, as ervas secas de um chá que nunca será feito. A caixinha tem o nosso cheiro, guarda nossos sabores, dói demais abri-la, como dói. Meus sentidos vão voltando a mim como um vendaval, rápidos como o soco de um pugilista e tão vorazes quanto. Fica aí, caixinha, fica. Guardada no fundo da minha bagunça, escondida da vista e do coração. Não me importune mais, já não bastam minhas meias...

20 de setembro de 2012

Penha

Tô passando por uma barra. A barra da saia da Penha. Não é nada fácil, meu amigo. Ela é fogosa, ordinária, não se abate. Sai com seus tamancos coloridos rua abaixo, pisa nos paralelepípedos como se fossem piso da roda de samba. Rebola pra lá e pra cá; me hipnotiza. Os lábios carnudos são tão vermelhos quanto os brincos de argola. As angolaninhas sentem inveja dela; não chegam aos seus pés: os tamancos são altos demais. Segue com os antebraços abertos, como um aviãozinho teco-teco. A bolsa falsificada, mais colorida que a visão de alguém alto, segue pendurada como carne de açougueiro no anzol. Tem de tudo dentro dela: desde esmaltes azul-bebê até escovas rosas cheias de cabelos encaracolados, passando pelo suprimento de chicletes, que povoam sua boca e são um de seus vícios. Os homens, claro, são outro. Ah, coleciona corações como se fossem as estrelas no céu. Incontáveis amantes, apenas um amado: o prazer. Adora sambar, andar, comprar, rebolar e namorar. Tudo em ordem inversa e misturado. Faz tudo com um sorriso na boca, e é com ele que recebe os clientes na loja do seu Zé, onde trabalha. Seu Zé, apaixonado por ela, velho bonachão, careca, de camisa aberta e peito cabeludo. Dono da mercearia, sua alegria é quando a Penha chega. Penha, ó, Penha! Queria eu fugir dessa barra, essa roda-gigante, esse carrossel colorido que é a barra da saia, onde tantos passeiam as mãos e olhares, e de onde tantos outros caem. Dá vertigem, minha Penha. Dá vertigem. Seus olhos caramelo são doces demais, fazem mal ao estômago. Mas o que é a vida senão um mal passageiro? Penha, Penha! Não me derrube assim na rua, pois ela é toda sua, Penha, e assim caio em você. Sai logo de vista, antes que eu me perca e não me ache mais fora de você.

19 de setembro de 2012

Pássaros

Imagem original:  http://goo.gl/GEhNE

Já vi pássaros irem e virem:
Como quis voar com os que soltei...
Pássaros coloridos,
Pássaros tão queridos,
Aves especiais que libertei.

Anos passam sem cessar
Eles propõem descansar
Mas escapam em um alvorecer.

São aves tão mágicas
De histórias trágicas,
Não querem a algo se ater.

16 de setembro de 2012

"...Mas a memória permanece."


Livro: "Metallica - a biografia" (2010), por Mick Wall, publicado esse ano pela Globo Livros.


Uma pulga atrás da orelha me diz o quão complicado é ler uma biografia, principalmente a de uma das bandas que mais se controverteu nesses mais de trinta anos de carreira. Metallica - a biografia é um relato ríspido e cru das divisões de águas que a dupla James Hetfield e Lars Ulrich (guitarrista/vocalista e baterista, estampados monocromaticamente na simples e eficaz capa) fez no mundo do heavy metal, levantando sua bandeira ao lado do rock de Elvis Presley e do pop de Michael Jackson e transformando o agressivo estilo musical em folclore ao redor do mundo. Isso é inegável — ver uma artista como Shakira cantando um sucesso do Metallica é a grande prova disso —, mas o que se pode afirmar com certeza sobre aquela cambada de garotos espinhentos de Los Angeles quando suas histórias são contadas por um ponto de vista tão próximo da banda?

13 de setembro de 2012

Dueto de um - pt. II

Vê se me esquece, cara. Esquecer de que jeito, tá maluco? Esquecendo, ora; como você esquece de comprar o leite pra patroa, ou quando você ‘esquece’ de pagar a conta de luz, e a casa fica no escuro e aí você acende umas velas e sempre conta a mesma piada ‘ah, é pra dar um clima romântico, amor’. Ora, me poupe, seu palhaço! Poupar? Sim, me poupe! E você é dinheiro agora pra eu ficar te poupando? Ah, não foi isso que eu quis dizer. Mas foi isso que você disse. Ora, você é um ignorante, não sabe nada sobre a vida. Pois você é um ogro, e não sabe nada sobre a morte. E você lá sabe alguma coisa sobre a morte? Mas é claro! O que? Bom, vejamos... Anda, diz aí! A morte acontece pra todo mundo! Ora, mas isso eu também sei! Então não me amole! E você é facão agora pra eu te amolar? Ah, meu Deus...

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Veja a parte I do "Dueto de um" clicando aqui

12 de setembro de 2012

Fim de festa

Fonte:  http://iszzzz.deviantart.com/gallery/?offset=48#/d2i8us0 

Acordo vestindo somente um sutiã rendado que não é meu. Onde foi parar a calcinha? Aqui, embaixo do sofá, acho um trapo rendado e creio ter encontrado a peça. Atrás do sofá, então, encontro um homem dormindo. Foi você que tirou minha calcinha, infeliz? Chuto as costelas dele com toda a força que posso — e que não é muita — e ele nem se anima a acordar. Deve estar tão bêbado que se eu colocá-lo em uma banheira vai acordar pensando que está em alto-mar. Coitado.
Coloco a calcinha em meu corpo enquanto ando, o que não é nada recomendável quando você acorda com pontadas intermináveis na cabeça e o amargo sabor de maçaneta na boca. Beberam tequila do meu umbigo, lembro. Coloco um dedo no umbigo, fricciono e levo ao meu nariz. Álcool. Me lambuzaram de bebidas alcoólicas nessa noite. Me lambuzei de pessoas nessa noite. Tropeço em duas pessoas enquanto coloco o maldito trapo rendado e chego no que parece ser meu quarto. Só parece, mas não é: Quarto de hóspedes. Destrancado e com cinco pessoas dormindo em um padrão caleidoscópico na cama de casal. Não sei distinguir homens de mulheres, mas todos estão nus como se a cena acontecesse em um comercial vanguardista de perfumes. Coloque frases sem sentido faladas por uma voz grave e deixe esse quarto em tons de preto e de branco e você terá a nova fragrância da Hugo Boss com o amadeirado toque de sândalo.

11 de setembro de 2012

Rompimento


E aí começaram a bater nele como nunca haviam lhe batido antes. Eram socos e pontapés para todos os lados. Ele nem sabia mais se estava no chão ou não, já começava a perder os sentidos. Estava aturdido, machucado, humilhado; só queria morrer logo pra cessar a dor e o sofrimento. Mas não. Num esquecimento divino, seu corpo resistia a tudo e não padecia. Jamais imaginou que fosse capaz de tamanha resistência. Ainda mais agora, que a última coisa que queria fazer era resistir. Queria ceder, entregar-se, como fez a ela. Ah, era tudo culpa dela. Todos aqueles golpes, aquelas dores, o sofrimento. Tudo se devia a entrega de seus pensamentos, corpo e alma à pessoa errada. Onde ela estaria agora? Talvez por aí, enganando mais alguém, mentindo e traindo. Ele fora, já não era mais. Estava em seu passado. Agora sofria as consequências daquela carta.

10 de setembro de 2012

Dueto de um

   A gente precisa diminuir o tempo. Mas o tempo já anda curto demais, assim não dá. Não dá, mas tem que ser e ponto. Ora, mas te dou uma porrada no meio da fuça, seu ordinário. Ora, dê-me logo, que assim também vai tomar na mesma força e intensidade. Aí você tem um belo argumento que vai de encontro à minha vontade de te bater. Sim, eu sei disso; aliás, nós sabemos disso, não é mesmo? Sim, sabemos, mas às vezes eu me esqueço das coisas; tudo é muito confuso aqui dentro. Voltando ao tempo: vamos diminuí-lo ou não? Mas qual é o sentido disso, eu te pergunto? Qual é o sentido? Sim! Ora, achei que fosse óbvio: encurtar o tempo, para que essa loucura termine mais cedo, e possamos ir assistir à novela. Ora, não é que você tem razão; ainda há novela para se ver e apreciar: lá não tem loucura; você é um homem sensato. Sim, meu caro ego, você também é sensato; somos um deleite para a sociedade em geral. Isso é bem verdade; embora eles tenham apenas um de nós de cada vez, não é mesmo?

9 de setembro de 2012

Se fosse menos americano...


Livro: "O símbolo perdido" (2009), de Dan Brown, publicado pela editora Sextante.

   Você ouve o nome Robert Langdon e já sabe que ele fica muito bem na pele de Tom Hanks. Sabe também que o professor descobriu incontáveis segredos de obras renascentistas, da Igreja Católica e de todos os assuntos mais polêmicos que uma pessoa poderia abordar em um livro, e n'O símbolo perdido não é diferente: O professor de simbologia coloca um decisivo ponto final em muitas teorias da conspiração e é também o responsável por nos fazer pensar até aonde suas histórias se baseiam na realidade, o que é o ponto mais alto das obras de Dan Brown.

8 de setembro de 2012

Contemplando a solidão

Conto inspirado na foto abaixo.

Foto:  http://rabbit888.deviantart.com/#/d5dt5wm

   "Existe certa solidão que não dá para negar", ela pensava enquanto lambia um modesto picolé gelado de cores quentes. Frase de livro, ela concluía. Que livro? Já leu tantos que já não sabia mais diferenciar um do outro: Todos faziam parte de um só mundo. O mundo dela.
   Não é porque ela tem uma silhueta cheia de curvas e um olhar fascinante que essa história tem que ser um romance. Bem longe disso, aliás. Ela precisa ter algum sentimento? Não a moça, mas a história. Pessoas têm sentimentos, por mais que escondam por trás de um rosto impassível. Já histórias... bem, podem ser só uma contemplação, não podem? Simbolismo.

7 de setembro de 2012

Era (mais) uma vez

  Era uma vez a moça que narra essa história sob o perturbado e descrente ponto de vista dela. Ela, que não era princesa nem fada (mas era madrinha de dois casamentos), passou pela vitrine de uma joalheria e deixou-se engraçar pelos anéis cravejados de cristais das mais diferentes cores. O atendente da loja — o único homem daquele lugar, cobiçado e cortejado por todas as outras atendentes, pela gerente e até pela dona da franquia — engatou uma conversa com a narradora, que deixou-se engraçar pelos cabelos louros e corpo bem delineado por expressões suaves e viris. Ela, coitada, pensou que ele era um príncipe.
  Não era.
  Claro que não, essa baboseira não existe.

6 de setembro de 2012

Papo-cabeça



Aquele era o metrô de São Paulo às cinco e meia da tarde, andando resfolegante por causa do peso absurdo que sustentava: Pessoas e mais pessoas estavam espremidas lá dentro como aqueles óctuplos no útero da mãe. Cheias de sobrancelhas arqueadas e resmungos saindo por entre os dentes cerrados, aquelas pessoas e aquelas mais pessoas se fundiam em seus mundos físicos, formando mundos maiores e não menos particulares: O mundo do vagão um, o mundo do último vagão, e até mesmo o mundo do estranho vagão que fica um pouco mais vazio do que os outros sem um motivo óbvio. Peguemos o mundo do vagão um para esse excerto de eternidade, tudo bem para você? Não? Beleza, então a galera do fundão. Pode ser? Então tá.

2 de setembro de 2012

Um pé e meio atrás


Livro: "O senhor da chuva" (2001), de André Vianco, lançado pela editora Novo Século.

Uma poça de água com mil peixes dentro: É assim que posso resumir O senhor da chuva, o primeiro livro do já consagrado escritor André Vianco. Depois de tanto ouvir opiniões destoantes em relação a esse livro (que iam desde ótimo até ridículo), resolvi dar o meu próprio veredicto, mesmo que já com um pé e meio atrás. 

O que tive foi uma experiência enfadonha que me fez desistir de ler na página setenta, mas que acabei retomando por questão de honra. A experiência se repetiu, e só posso dizer que essa obra faz jus ao título de "livro de estreia" do autor. Isso porque mostra a inexperiência de André de modo a quase ser um livro feito simplesmente com o intuito de exibir o amadorismo dele, a começar pela capa. Pode repetir o quanto quiser que não se deve julgar um livro pela capa, mas os pixels estão estourando na imagem do anjo! Anjo esse que, convenhamos, não tem um pingo de relação com os anjos citados no livro. Até hoje me pergunto se a capa traz um anjo, um demônio, um vampiro ou a Samara Morgan, d'O Chamado, com asas.

1 de setembro de 2012

O descendente

Conto inspirado em: The Offspring - Gone Away (letra)

À inexistência de amor na SP do Thiago Botinhão.

     Eu tinha cinco anos quando meu pai me trouxe a você pela primeira vez. Ele disse que estava aqui e não pude acreditar que você morava em um cemitério. Hoje em dia até consigo rir disso, como eu era inocente... Mas a inocência durou pouco: Logo meus instintos mais primários me fizeram sentir sua falta e derramar lágrimas na relva baixa ao redor do túmulo. Uma criancinha. Seu descendente.
     Os anos se passaram e a falta foi se alastrando como um vírus por todo meu corpo frágil. Descobri que havia herdado sua osteoporose. Meus amigos da escola sabiam que eu adorava jogar futebol, mas como a doença foi agravando eu não podia nem mais chutar o vento, quem diria uma bola. Nunca tive raiva de você. Você me deu sua vida, pelo que meu pai disse. Como poderia guardar qualquer sentimento ruim em relação a você? Devo ter herdado seu coração bom, também.