31 de maio de 2013

Meu copo meio cheio, minha memória meio fraca

Mal entrei no quarto
E me deparei com aquele corpo
Todo torneado e estatelado na cama.
Que mulher dengosa!
Nem acreditava que ela estava ali ainda.
Tinha me levantado pra mijar à noite,
E me dei de cara com ela ali na volta.
Não me lembrava de como
Ela tinha ido parar ali.

25 de maio de 2013

No fim da carne


Miséria — parte integrante da humanidade.
Deuses se debruçam sobre ela,
inventados por almas esquálidas
e famintas, à míngua do sorrir.

A miséria abstêm esse poema de rimas,
tão supérfluas diante a fome
de algo que satisfaça o vazio
estacado em seres de pele morta.

Engatinho para suprir minha desnutrição.
Minha saliva é rala, se esquece
na boca podre — maçã podre! —
por onde larvas eclodem em fel.

E a miséria me impede de continuar.

24 de maio de 2013

O mundo em minhas mãos

http://bit.ly/10NIKB2


Me cansei dos moldes da sociedade, dos laços que me prendem a esse mundo vão. Cansei das cores das ruas e da falta de cor delas. Os olhos famintos da multidão que me devora e nem me percebe. Sou apenas uma mosca que pousou na sopa da sociedade e foi engolida, sem nem fazê-la engasgar. Sou fruto do pecado original, sou tenso e sou fugidio. Quero a luz e a sombra ao mesmo tempo, quero mais, quero tudo. Os carros caros e as mansões devem ser meus. As pessoas que me pisaram devem ser postas em arreios e me servir de cavalinhos. Usarei calças de jóquei, correrei as corridas que ninguém correu. Não me cuspa ainda, sei que tenho futuro.

18 de maio de 2013

Big Bang


Antes
de tudo,
TUDO
deve existir.

E é esse monte,
montanha, vale,
que vale a pena
do pássaro e a crina
do cavalo e a unha
de Noé.

Os anéis de Saturno
e os de brilhante
e a Wi-Fi do vizinho
e o dinheiro do patrão.

O vazio é um óvulo
fecundado pelo Big
Bang-
ue-Bangue,
faroeste,
velho oeste,
pintura rupestre,
o começo da vida.

Tiros para todos os lados
(antes dos lados existirem)
e direita vira cometa
e esquerda vira planeta
e no alto há luas
e no inferno há duas
mulheres na recepção
esperando sua confirmação.

— senhor, assine aqui,
senhor,
e aqui, senhor,
muito obrigada,
senhor,
tenha uma boa estadia.

Depois
do filho,
do livro,
da árvore,
da morte
do filho, do livro e da árvore:
nada acontece.
NADA
é um Universo em movimento
que ninguém vê
pois o Universo
de cada um
é o próprio
cada
um.

17 de maio de 2013

O Yin-Yang torto

Mínima Ideia - Yin-Yang torto

Andava com a leveza do vento em seus calcanhares finos e luxuriosos. Os homens a observavam como se disso dependessem suas vidas. As coisas passavam, ela não. Ela ficava, permanecia, quase que estática; ela era. Tudo ao seu redor parecia feio e sem graça. Suas longas pernas delicadas e femininas despiam os pudores dos homens, que chegavam a babar de suas bocarras abertas. Eram nada para ela. Ela era tudo para eles.

Um Yin-Yang torto.

Mas completavam-se.

11 de maio de 2013

P&B

Original: http://goo.gl/Fuwc1

A imagem é granulada, em pê e bê, e mostra um piano.
Alguém sentado à sua frente, tocando notas calmas. Mas a música que toca não condiz: É um filme mudo, então.
O vídeo treme duas vezes, e parece se arrumar quando pode ser vista a janela na parede aos fundos. Uma grande janela aberta, de cortinas barrocas amarradas à direita, à esquerda. À frente, o céu limpo que parece nublado por causa da (falta de) cor. O homem (de cabelos compridos, mas de casaca, então é homem) continua tocando sua música inaudível enquanto uma peça aos moldes de uma canção de saloon — bem Looney Tunes, mesmo — toma forma por cima do que quer que o homem esteja tocando.
É um ambiente soturno, esse onde o piano está. À direita da janela se estende uma estante de livros de todos os tipos, tamanhos e, supõe-se, cores. Uma fileira na última prateleira visível está recheada de uma coleção uniforme, deve ser a Brittanica. Mais para baixo, em um pedestal só dela, a Bíblia está aberta. Guardando seus lados, estatuetas de querubins que por pouco não parecem só um borrão no vídeo. Um castiçal, então, continuando a travessia dos olhos pela parede dos fundos, apagado mas carregado de pontinhos brancos que só podem ser velas. Qualquer outro detalhe é sumariamente esquecido pela má definição da película.

10 de maio de 2013

Amor matemático


Somam-se os resultados
dos nossos corpos,
multiplica-se a paixão,
divide-se a cama,
subtrai-se o medo.
Essa é a equação
do nosso amor
estranho,
louco,
tolo e matemático.

4 de maio de 2013

Um grande parágrafo

Pois já faz tempo que não escrevo nada assim. Minha vida anda sendo frases soltas, desconexas, fragmentos espalhados pelo chão do tempo. Está na hora de ser consistente e cimentar os pensamentos, de saber o que é verdade e o que deverá sê-la. E tudo em um parágrafo, olha que tarefa complicada. Olha! Mas olha mesmo, isso está sendo impossível. Mas que o desespero se esconda, quero logo minhas certezas, meus bolsos cheios de sonhos seculares e meus joelhos penitentes em carne viva. E um parágrafo grande, já falei que já faz tempo que não faço um desses? Sou uma mensagem de biscoitinho da sorte e ainda acho que conheço a vida (mas quem conhece?), ô prepotência juvenil. Terei mil anos e ainda serei inconsequente, disparando frases que tremem ao vento. Quero frases que resistam à pior das pragas egípcias (e uma noite de lua cheia) (e um parágrafo). Talvez ser jovem consista em uma vontade incontrolável de não ser parágrafo, de fugir das certezas, de ser um poço seco à espera da chuva. E desde quando ser forever young é bom? As leis da natureza estão escritas nas folhas de cerejeira e no ferrão da abelha-rainha, e elas dizem que a vida acaba, que resistir ao tempo é inútil. E é normal nascer palavrinha, virar haicai, depois parágrafo, romance, para, enfim, cair epitáfio. Esse é nosso livro sagrado, nosso Kama Sutra e noss'A Origem das Espécies. Todos teremos mil anos e seremos inconsequentes a ponto de nos arrependermos do ontem (e amanhã nos arrependermos de hoje), mas ainda quero sonhos nos bolsos e joelhos feridos. Não é pedir demais para um dia-frase como esse.


3 de maio de 2013

O mistério da chuva de pães de queijo


http://aromaeartesanatos.blogspot.com.br/2010/09/pao-de-queijo.html


Um dia começou a chover pães de queijo na cidade. Sim, pães de queijo, daqueles bem gostosos. Como eu sei disso? Bom, se dizem que se você estiver na chuva, é para se molhar, se você estiver na chuva de pães de queijo, é para comer pães de queijo.

No começo eu achei meio estranho aquilo, sabe? Até então, era um dia normal na cidade de Muzambinho. Eu andava tranquilamente pela rua de casa, voltando do trabalho na padaria do seu Antonio. Sim, também é Antonio sem acento. Vou fazer o que? Foi assim que registraram o homem. Bom, voltava eu da padaria, quando, já na rua de casa, começaram a cair coisas bem lá do céu, do alto mesmo. No começo não consegui identificar, foi meio aquela coisa de 'é um pássaro? É um avião? São pombos?', mas depois que o primeiro acertou minha cabeça, percebi que eram pães de queijo.