26 de março de 2012

Ponto de partida


"Where does one start
To pick up pieces
Of a gasoline heart?"
(Anberlin - There is no matematics for love and loss)


Hoje até então não tinha nada diferente, a mesma espera debaixo do sol escaldante pelo ônibus, o mesmo veículo que chega logo depois do 172Y. Entrar no ônibus, girar a catraca, fitar pessoas desconhecidas em seguida procurar pelo mesmo lugar de sorte no marco zero daquele compactador de arquivos humanos. A lata de sardinha se movia e seu motor roncava à nostalgia, as mesmas crianças esmolando no farol, até os loucos eram iguais e comigo não era diferente, coloquei os fones de ouvido para voltar no único lugar que naquele momento realmente valia a pena estar: Meu mundo.



Meu mundo.

13 de março de 2012

Entre a Lua e a Terra (As Nuvens)

Lá estávamos nós, na Lua.
E quando se está na Lua, você olha para a Terra.

Muitas vezes o silêncio bastava, como naquela fração de segundo. Nossos segundos se arrastavam como eternidades quando estávamos juntos, e ainda reclamávamos do tempo passar rápido demais.

Muitas vezes, também, nos olhávamos e nos perdíamos em pensamentos abstratos demais para entendermos. A única certeza que captávamos desses pequenos fragmentos de razão era a emoção.

Nossas mãos... bem, nossas mãos estavam entrelaçadas. Sempre foram, desde que nos conhecemos. Nosso trabalho é apertar cada vez mais esse laço.

Voltamos a olhar para a Terra, o que para nós era olhar para a realidade. O mundo nos parecia muito distante naquela fração de segundo, e até parecia bonito. Era mais azul, com nuvens mais fofas. Conseguíamos até imaginar pessoas mais felizes naquela Terra que tínhamos em nossos olhos.
Pisávamos em nuvens, às vezes. A sensação boa também me trazia certa incerteza. Afinal, era realmente bom praticamente não sentir o que havia sob meus pés? Meus pequenos e felpudos cirros, estratos e cúmulos às vezes pareciam querer não me suportar...

Até que eu a via.

E ela andava, pisava e rolava nas nuvens sem o menor medo. Ajoelhava nelas e parecia rezar por um tempo. Depois, deitava e me chamava para deitar ao lado dela só para ela se recostar em mim. Volta e meia sentava e olhava para a Lua.

A Lua, onde estávamos.
Onde vivíamos na maior parte do tempo.

E ela não tinha medo. Não vacilava, até pulava nas nuvens como se fosse dona delas, e de fato era. Sabia que era, e sabia que isso era tão bom... Sabia que as nuvens nunca a decepcionariam.
O que me fez ter certeza. Me fez dar passos mais fortes e a abraçar essa sensação, esse momento.

Essa fração de segundo.

Sempre me sinto com muito pouco tempo e pouco vocabulário para falar de uma fração de segundo tão importante quanto essa. É tudo grandioso demais para caber em qualquer lugar senão em meu coração. E no dela, claro.

Lá estávamos nós, na Lua.
E quando se está na Lua, você está livre.

E eu estava livre. Livre para pensar em um mínimo de palavras necessárias para me expressar.
Olhei para os olhos dela (eles sempre me fascinaram). Sem que eu percebesse, não dava mais para desviar daquela energia que nos mantinha conectados, mesmo quando nossa matéria estava tão distante e atarefada.

Sem que eu percebesse, comecei a falar.

— Você não deveria ser assim. Não deveria ter olhos tão incríveis, nem ter um sorriso tão sincero. Não deveria ser tão segura de si, nem fazer com que eu me sentisse seguro. Não, não mesmo. Deveria ser como todas as outras, que me cativam com palavras engraçadas ou por conseguir manter uma conversa sensata comigo. As outras, que, por mais que eu tente construir uma estória de amor com elas, acabam desaparecendo de mim como se nunca tivessem existido. Deveria ser só mais um conto do qual já saberia o final, já que sabendo o fim a vida fica mais fácil.
— Digo isso pois te encontrei, e sabia que você não era como as outras. Porque, só de existir, já era diferente e me cativava. Coexistiu no mesmo ambiente que eu por alguns minutos e eu já tinha convicções nunca tidas antes. E seus olhos... Seus olhos sempre disseram tudo, não sei porque ainda estou gastando palavras. O que eu quero dizer você já sabe.

Pausa.

— Eu te amo. Muito, demais, como você já sabe e acredita. Todas as noites agradeço por essa pessoa maravilhosa que entrou em minha vida: a Deus por ter cutucado o Destino para que te colocasse nesse ponto estratégico da minha existência; a mim por ter deixado que você invadisse cada centímetro meu. E te ver pisar nas nuvens sem o menor receio faz meus olhos brilharem como nunca antes.
— E, bem, devo agradecer a você, também. Por ser quem é. Não deveria ser assim, porque sempre achei que nenhum ser vivente pudesse ser assim. Tão... Tão... Enfim, não vou te definir. Só continue sendo quem é, e me amando tão incondicionalmente que me faça verter algumas lágrimas só de pensar o quão feliz sou do seu lado. Só isso.

Um abraço (um deles, há algum tempo, me conquistou eternamente). Um beijo. Outro abraço. Outro beijo. No pescoço. Com carinho.

O planeta Terra era bonito mais uma vez.
E continuaria sendo enquanto esse amor durasse.

Continuaria sendo para sempre, pois.

8 de março de 2012

Dia das Mulheres

Post especial do Dia Internacional das Mulheres, feito por todos os autores.


Sabemos que não é só no dia de hoje que devemos exaltar a importância das mulheres e apreciá-las, mas há todo um contexto histórico por trás dessa data, que deve, sim, ser comemorada por todas as mulheres.
Fiquem agora com os textos de todos nós para comemorar esse dia:

♦ Uma mulher.

Por eras anteriores da evolução da consciência, ela historicamente já executava seu papel primordial para a sobrevivência da raça humana. E tal como Gaia a Grande Mãe, não deixava faltar a seus filhos abrigo, amor e carinho, sempre os suprindo das necessidades básicas e psicológicas.
Onde estaria agora a raça humana sem as mulheres? 
Com a doce ternura de uma rosa, apaziguam a sociedade a tornando mais humana, carregam no peito o sonho romântico e vontade inabalável, sua esperança contagia todos ao seu redor.
Dotadas também do ideal de justiça, glorifico as mulheres que lutaram pelos seus direitos e não se deixaram abater pela nossa massiva sociedade falocrática. 
Parabéns.

(Rômulo)

♣ "Woman,
You know you,
Woman,
You gotta be,
Woman,
I've got a feeling of Love.”
(Wolfmother)
Mulher serve para nos deixar com saudade. Simples assim.
Seja pelo seu corpo, seja pelos seus olhos. Seja por estar perto, seja por estar longe. Por rir de qualquer coisa ou ser uma conquista arrancar um sorriso dela.
Admito, mulher é algo bem interessante e intrincado. E, lá no fundo, elas são tão iguais... Decepcione uma mulher e você poderá vê-la agindo como qualquer outra – com raiva de toda a raça masculina. (Há as que acabam se engraçando por outras depois disso, também).
Poderia dissertar sobre tantos aspectos dessas mulheres que passam na nossa vida, desde as que literalmente só passam e ficamos hipnotizados por um olho claro ou um busto avantajado até a que nos deu a vida e continua dando-a para nós até hoje. Poderia falar daquela que faz a gente mudar toda nossa existência para se adequar ao tempo dela, ou da que nos faz acreditar em pura amizade entre sexos opostos.
Mas, sabe, lá no fundo, se eu continuar esse texto de qualquer modo estarei caindo em repetição. Tantos autores – e autoras – já declararam seu amor e indignação pela existência feminina... e é muito prepotente de minha parte tentar defini-las com umas poucas centenas de palavras.
Só queria desejar um feliz dia da Mulher para todas essas criaturinhas que infestam nossa cabeça de pensamentos muitas vezes não muito conexos... Por mais que minha relação com esse sexo andou trazendo problemas e soluções infinitas nos últimos dias.
Assim, desculpe-me por fazer vocês pensarem que todo homem é igual;
E de nada por conseguir provar, ao mesmo tempo, ser único.
Se é que alguém me entende.'
(Alala Rocha)

♥ (Ode à mulher)

Um nó suicida na minha garganta
Me impede de tentar gritar.
Ao olhar o bravo mar de rosas
Que bonitas e bem cheirosas
Delineiam o corpo daquela santa.

Uma vista divinal se assoma
E uma sombra de humanidade
Aviva os seus olhos profundos
Que, de tão negros e rotundos
Tragam meu coração, que não se doma.

Os lábios intensos e sussurrantes
Abrem-se aos poucos,
Mostram-me dentes brancos
E entoam os mais belos cânticos
Que jamais foram ouvidos antes.

Seu aroma é puro e prazeroso,
Confunde-se com o cheiro das rosas.
Seus cachos soltos ao vento,
Que, tão lento, delicia-se com o alento
De tocar o seu corpo tão amoroso.

Que inveja de tal vento!
Queria eu por um momento
Tocar a sua tez tão sedosa
E assim de minha glosa
Seria ela musa e meu tormento.

Oh, mulher de carne e osso,
Que está sozinha agora
E me faz perder a mente
Peço encarecidamente
Que eu me afogue em seu poço.

Junto-me enfim à musa
a quem pertenço e ninguém mais.
Admiro sua beleza tão solene
e é certo que a mim seja perene
pois meu amor não lhe recusa.

A manhã é sempre bela,
A tarde nunca tediosa,
E a noite é estupenda
Mesmo se haja contenda,
Eu permaneço junto a ela.'

(Dereck Alexandre)

Eu fiz questão de finalizar esse texto, porque hoje é um dia especial pra mim também. Meu aniversário. E eu não poderia ter escolhido um dia melhor para nascer do que este. A mulher, na minha humilde opinião, é a melhor e mais bela invenção divina. Nada pode ser comparado à beleza feminina, sua doçura, carisma, enfim... tudo. Mesmo os aspectos considerados ruins fazem da mulher aquilo que ela é: única. Sou apenas um trovador, e, como apreciador do universo feminino, tento apreender alguns aspectos das mulheres em meus poemas e textos. Bom, finalizando, eu só quero agradecer a todas as mulheres que de alguma forma fazem parte da minha vida e dizer que amo todas vocês!

Afetuosamente,
Dereck Alexandre

6 de março de 2012

A borboleta de Rorschach


Aquele mensageiro, de vinte anos (talvez menos, mas aparentava ser velho o bastante para tal), adentrou a Biblioteca onde eu me encontrava escrevendo pequenos poemas. Larguei a pena, meus cacheados cabelos foram soltos e me preparei para a mensagem.

Normalmente, uma mensagem para uma rainha se trata somente de situações sociais, como aniversários e casamentos. A rainha é a responsável pela diplomacia entre os reinos de modo sutil, afinal os Reis que são normalmente vistos apertando as mãos dos outros. Só que nada disso seria possível sem a presença das rainhas em todo tipo de evento, afinal o Rei sempre estava atarefado demais em guerras, construções e planos. Por exemplo, naquele momento meu Rei havia partido para um reino a oeste para atar os laços militares com ele, pois uma guerra se aproximava.

Entretanto, a carta era do próprio Rei.

A voz grave do mensageiro me lembrava da voz dele. E a carta, sendo desenrolada friamente por ele, não parecia nada boa.

"Querida rainha,

Primeiramente, saudações. Espero que esteja tudo tranquilo em nossas terras. Já se passou algum tempo desde que fui recebido em Licciardi com toda a hospitalidade possível, e tenho lido todos os relatórios mandados por você.
Todavia, não poderei atestar pessoalmente se está tudo bem quando eu chegar. Pois não mais voltarei a Ursini.”

Torci a cabeça com pouca convicção no que ouvia.

“Essa decisão nada tem a ver com as alianças militares que estou de fato fortalecendo. É exatamente o contrário da guerra, ou seja, o amor. Estou apaixonado, minha rainha. E me sinto impuro de ter qualquer contato direto com você mais uma vez.”
                                                                              
Parei de olhar para o mensageiro. As lágrimas que borbotavam já umedeciam meu vestido lilás. Que ele deu. Prometendo amor eterno.

“Espero que não me procure de modo algum, nem em seus pensamentos, em seus sonhos... eu não mereço isso. É um discurso tolo, esse de que o problema está em mim e não em você, mas não há muito a fazer. Ou até há, mas prefiro achar que não.”

Joguei todos os papéis, a caneta, a tinta, tudo no chão. Um pouco do preto espirrou no vestido, o que era só o começo das manchas que sujariam quase um decênio de minha vida.

“Não sei como você reagirá a tudo isso, mas não posso expressar um cento de meus sentimentos por uma carta. Por isso, que essa carta fique como um comunicado, e nada mais. Não haverá despedida. E assim acabo minha mensagem.”

Assim?
Com essa frieza?
Com essa falta de coração?

Como ele quer que eu o esqueça se não houve nenhum adeus?

(enquanto eu pensava isso, o mensageiro ia embora, afinal eu estava fazendo um sinal bem pouco educado para ele se retirar.)

Não queria ver meu rosto naquele momento, mas provavelmente era o retrato da vergonha. Meu rosto sempre avermelhava demais, minha pele sempre se comprimia demais, meus olhos sempre esbugalhavam demais. Teria ódio de me ver assim por causa de alguém que não merecia uma lágrima.
Rasguei os poemas, um a um, gritando, bufando e agindo como uma leoa faminta dilacerando um cervo. Queria me sentir dilacerando-o, mastigando-o... destruindo-o.

E o reino? Como o povo reagiria ao saber que não havia um Rei os governando? Como reagiria ao saber que eu, a Dama Submissa, tomaria o poder? O reino já estava abalado com a iminência de uma guerra, agora eu estava abalada pela iminência de outra guerra. Civil.

Não havia sobrado mais nada. Eu olhava pra janela, rasgando todos os livros dele daquela Biblioteca, e via só cinza. Via as cores escorrendo e se transformando em tinta preta, que sujava tudo. Qualquer construção, qualquer pessoa. Um reino preto-e-branco com manchas negras sem o menor padrão. À minha volta, tudo ficava desse mesmo modo. Até meu rosto, aposto, estava branco como se nunca houvesse sido pintado pela natureza.

Depois veio a visão embaçada. O pouco que via se transformou em telas brancas com borrões pretos, como um teste de Rorschach. Eu poderia ver o que quiser, desde uma singela borboleta com a docilidade para poucos amigos até um corpo morto, caído no chão e mergulhado em seu sangue. E eu via um corpo morto, acredite. Na verdade, vários corpos mortos. Tentei enxugar meus olhos e crer que o embaçamento era causado por lágrimas, mas não. Era tudo parte de uma consciência que não queria enxergar a tristeza com todas as suas nuances e silhuetas. Queria só imaginá-la, pensar por um momento que não é real.

Mas o sofrimento é real, sempre foi na história da raça humana. E não era diferente. Mas esse sentimento nunca me levaria à morte, como muitos podem pensar.

Sou obrigada a, em poucas horas, respirar fundo e falar para um reino inteiro que eu estou no comando. E eu hei de estar no comando. Eu hei de provar aos outros reinos que não sou nada submissa, que nunca estive pronta para ser alguém porque nunca tive essa oportunidade.

Mesmo que todo um reino, todo um exército, toda uma população... toda uma vida seja só uma mancha preta em uma tela branca. Onde eu vejo o que eu quiser.

Bem, hora de começar a ver a borboleta nessa mancha.

- para não dizer que nunca me inspirei nela.

5 de março de 2012

Postulado



*Peço que aceite.

De todas as formas de vida você deve ser a mais brilhante, de traços sublimes e gestos fáceis,  abdicou do seu auto compromisso em prol do sentimento atroz que foi ritmado pelo seu coração e a musicalidade só aumentava enquanto nossos lábios se encontravam.