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O que é isso? Um dente meu? No chão?
Maldito Amor.
Levanto-me, ainda sentindo a gengiva borbulhando em sangue fresco, e ergo uma faca dessa cozinha na direção dele: Ele que acaba com nossa vida sem que possamos notar; ele que, como um sedativo, inebria-nos para que façam barbaridades das quais não temos controle; ele, o Amor, que acabou de arrancar um dente meu a pancadas.
Ele ainda me chama para continuar essa horrível contenda. Agarro-o com a mão livre e perco a coragem de assassiná-lo. Mate-me, digo. Quero morrer pelas mãos do Amor. E ele responde, e ele me estapeia, e ele me derruba. Deslizo na poça de meu próprio sangue e caio no linóleo da cozinha. Largo a faca.
Motivos para não matar esse maldito Amor? Muitos, e cada um tem um nome, endereço e a maioria deles já foi para a cama comigo. "Quero nomes", o Amor diz. E respondo: Marieta, uma beleza de caixa de supermercado que grita feito bezerro na cama — e isso não é bom, isso me irritava muito. Mais? Valéria, ah, essa valia um casamento e pelo menos dois filhos. Eu que não valia muita coisa.
"Você não vale nada." Mas eu gosto de você, Amor.
Amor, eu te amo. Dê-me cá um soco.
E quantos amigos eu perdi para você? Amigos por demais. Não cabem nos dedos das mãos, dos pés e nos dedos de todas as minhas parceiras. Quantas separações já causei, quantas traições já provoquei? Só consigo fazer essas contas em uma daquelas calculadoras científicas, você tem uma? Ah, tem. O que você está fazendo aí?
O Amor me mostra a calculadora e em seu visor está escrito BABACA. Com todas as letras, com toda a intensidade possível.
Seu abusadinho. Atrevidinho. Você sabe o que é o Amor, querido e ileso leitor? É um soco na cara que te deixa em coma. Você sonha, sonha, sonha, acorda e nem sabe mais como é o mundo real. E te dão alta mesmo assim. E você fica com sequelas. Depois de muitas doses de Amor você nem consegue mais andar. A parte boa disso? Não há parte boa no Amor. Ele é pura perversidade, expressa em chutes e pontapés agressivos e doloridos. Cuspo sangue enquanto ele me acerta nas costelas e suponho que duas delas se partiram.
Falando em partir, quantas partem? Quantos partem? Loiras, morenas, ruivas; loiros, morenos, ruivos. Pode variar de pessoa para pessoa. E, de tantos beijos perdidos, tantos tiques conhecidos, tantos corpos desbravados, você constrói pessoas em seus sonhos de coma induzido. Pessoas perfeitas, que unam a seriedade de uma Valéria com o corpo de uma Marieta com o sorriso de uma Celeste com a inteligência de uma gringa como Dakota. Os olhos de uma Camila com as brincadeiras de uma Tamires com o apetite sexual de uma Samanta. E o Amor se torna algo impossível, mais um soco na cara.
Continue assim, digo. Quero ser jogado na sarjeta, ensanguentado e inválido como todos os términos são. Sequelado e tudo o mais. Lembro-me da Laísa apontando para sua falta de bunda e gritando "Você se casaria com isso aqui?". Ou, vamos lá, não queria lembrar, da Brenda e da humilhação que os comentários maldosos sobre nossa única transa que ela espalhou pela faculdade me causou. O Amor transformou meus amigos em inimigos e ainda teve a coragem de me mostrar como a culpa disso tudo foi minha.
Só minha.
E cuspo mais um dente para o linóleo.
Ô Amor, deixe-me em paz. Deixe-me ter uma pessoa em paz. Não se polvilhe por tantos corpos vorazes. Às vezes sinto que todas as mulheres me querem, e isso é culpa sua. Sua, não minha. Pê-á-dê-dê. Não sabe? Pelo amor de Deus, então. Cansei de ser culpado por todos os erros, por todo o sangue em minha cozinha. Por todas as camisinhas na lata de lixo, por todas as pílulas do dia seguinte. Nunca quis trair, nunca quis que traíssem, nunca quis destruir relações: Só quis satisfazer meus desejos. Não posso ter desejos? Então por que nasci com eles?
Satisfazer a fome de Amor é impossível, então.
Se eu trocaria essa vida? Mas é claro que não, você não pode me deter. Retiro a faca do chão, passo-a pela sua testa e peço mais um soco. E digo o quanto amo amar, e o quanto amo lutar contra o Amor.
Um comentário:
Lolo, sempre com uma nova história e uma bela escrita que não mais me surpreende, não tenho nem mais o que dizer quanto à sua suntuosa literatura que me faz ver, que simples palavras podem se tornar uma arte, arte eternizada de mentes abertas a ver o negro e belo lado da vida, exceções em nosso dia-a-dia.
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