‘Te amo, Maria.’
A música tocava no rádio, enquanto as lágrimas
inundavam meu rosto e me impediam de enxergar com clareza as fotografias que eu
havia desenterrado da gaveta. Parece incrível como só nos lembramos de fotografias
em momentos de infelicidade ou alegria extremas.
Na fotografia
Estamos felizes
Como éramos felizes! Os dias se passavam como
fossem minutos. O tempo correu demais, minhas pernas se cansaram. O tempo fugiu
de mim.
Te ligo
afobada
E deixo
confissões
No gravador
O tempo fugiu de mim, mas a paixão permanece. Meus
poros, meu sono, meu peito, todos pedem por ti, por tua companhia de volta. Por
um amor que deixou marcas e que, parece, não foi-se embora de todo.
Vai ser
engraçado
Se tens um
novo amor
Rio, nervosa comigo, com meus pensamentos. É uma
risada maluca, de insanidade. Penso mil bobagens, senilidades. Ainda metade de
mim decide ir ao espelho, dar um tapa em meu rosto, mas...
Te amo?
Não lembro
Não lembro, estou confusa, amor. Amor? Já não sei o
que é, nem como chamar. E o que dizer pra minha língua, acostumada como está
com teus carinhos e chamar-te ‘amor’?
Parece
dezembro
De um ano
dourado
O tempo já não é tempo. Não me lembro desde quando
estou aqui, nem o que foi que aconteceu. Amor, que vestido vermelho é este que
visto? E esta flor em minha mão? Você?
Parece bolero
Te quero, te
quero
Bolero! Ah, sim! Nossas danças singelas, nossos
bailes privados, éramos enamorados, amor. Quero isso de volta. Diz-me que
volta, que te espero. Espero.
Dizer que não
quero
Teus beijos
nunca mais
Teus beijos
nunca mais
De teus beijos não me esqueço, nem posso. O corpo
guarda as marcas, mais nítidas que os retratos, mais vívidas que as lembranças,
mais fortes que a saudade.
Não sei se eu
ainda
Te esqueço de
fato
Acho que não, amor. Meu corpo não mente, eu te quero,
e espero ainda. O tempo passa, eu sei. Mas não sei mais quanto tempo pode
passar.
No nosso
retrato
Pareço tão
linda
Ah, meus olhos embargados! Não vão me impedir de me
ver contigo nos nossos tempos. Eram nossos e ainda o são para mim.
Te ligo
ofegante
E digo
confusões no gravador
É desconcertante
Rever o
grande amor
Onde eu estava com a cabeça? Não devo ligar. Ou
devo? Não sei. Minha cabeça confusa assumiu o controle, o peito manda e os
lábios obedecem.
Meus olhos
molhados
Insanos,
dezembros
Cada vez mais embargados e confusos, meus olhos
correm pela pilha de fotos, e às vezes voltam ao espelho, numa esperança vã de
te ver ali, comigo.
Mas quando eu
me lembro
São anos
dourados
Ainda te quero
Bolero,
nossos versos são banais
Quero os anos de volta. Nossa música, nossa dança,
nosso amor.
Mas como eu
espero
Teus beijos
nunca mais
Teus beijos
nunca mais
Espero, com todo meu coração. Ainda espero, em vão
talvez, ou não. Espero teus beijos, nunca mais? Talvez nunca mais, mas guardados
estão os beijos já dados. Um beijo dado não se toma de volta, amor. Tenho
guardados muitos. Muito mais do que fotografias, muito mais do que lembranças.
Tenho um beijo seu, guardado, pra cada minuto que resta de minha vida.
E isso é o bastante.
Nota: A música (em itálico) chama-se 'Anos Dourados', de autoria de Chico Buarque e Tom Jobim.
Nota: A música (em itálico) chama-se 'Anos Dourados', de autoria de Chico Buarque e Tom Jobim.
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