E quinhentos goles eu bebi.
Da cerveja, do uísque, bebi.
Das fontes inesgotáveis de sangue,
Os quilombos da atualidade,
Os goles secos e amargos
Do rubro líquido interior,
Que corre nas veias dos braços,
Nas veias das pernas,
Nas jugulares e artérias.
Corre solto, corre livre.
Bebi com prazer, desenvoltura.
Como fosse água, sorvi.
Abocanhei copos cheios,
Molhei minha camisa,
Embebi meu lenço no bolso
E o suguei, absorvendo o líquido.
O sangue não corre mais nas veias.
Fica estático, empedrado,
Putrefato e desenganado.
Não tem mais pra onde correr.
Bebi e me esqueci de parar.
Ainda bebo das fontes inesgotáveis
Do sangue de injustiçados.
Não ligo pra isso, meus olhos são vendados.
E eu sou vendido, sou comprado.
Sou fruto do próprio sangue.
Sangue do seu sangue.
Sou a unha e a carne,
Estou à margem da sociedade.
Sou a própria sociedade.
Vivo nos lares de todos,
Sugando o sangue.
Sorvo-o, sôfrego e sofrível.
Somente servos seguem
A fila, à espera de sua vez.
Doam seu sangue,
Dão o seu sangue,
Pagam por seu sangue,
Esperando por receber algo.
Sim, recebem.
Recebem mais sanguessucção.
E seguem, de cabeça baixa,
Olhos ao chão,
Ouvidos tapados com as mãos,
As bocas secas e quietas.
Calados.
A fila da morte os espera.
O cortejo sem carros,
Sem flores nem floreios.
Os corpos enterrados vivos
Em cubículos de 50 metros quadrados.
Um continente de indigentes
Subservientes a uma dúzia de fajutos suseranos.
“Tomem um doce. Deem-nos o sangue.”
E seguem dando o sangue.
Deem e não reclamem.
Podia ser bem pior.
Um comentário:
Gostei da publicação, lembra um pouco algo que escrevi.
Seguindo o seu Blog.
http://epifaniaspoeticas.blogspot.com.br/
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