9 de outubro de 2012

Os goles de sangue


E quinhentos goles eu bebi.
Da cerveja, do uísque, bebi.
Das fontes inesgotáveis de sangue,
Os quilombos da atualidade,
Os goles secos e amargos
Do rubro líquido interior,
Que corre nas veias dos braços,
Nas veias das pernas,
Nas jugulares e artérias.
Corre solto, corre livre.
Mas o prendi ao bebê-lo.
Bebi com prazer, desenvoltura.
Como fosse água, sorvi.
Abocanhei copos cheios,
Molhei minha camisa,
Embebi meu lenço no bolso
E o suguei, absorvendo o líquido.

O sangue não corre mais nas veias.
Fica estático, empedrado,
Putrefato e desenganado.

Não tem mais pra onde correr.
Bebi e me esqueci de parar.
Ainda bebo das fontes inesgotáveis
Do sangue de injustiçados.
Não ligo pra isso, meus olhos são vendados.
E eu sou vendido, sou comprado.
Sou fruto do próprio sangue.
Sangue do seu sangue.
Sou a unha e a carne,
Estou à margem da sociedade.

Sou a própria sociedade.

Vivo nos lares de todos,
Sugando o sangue.
Sorvo-o, sôfrego e sofrível.

Somente servos seguem
A fila, à espera de sua vez.
Doam seu sangue,
Dão o seu sangue,
Pagam por seu sangue,
Esperando por receber algo.
Sim, recebem.
Recebem mais sanguessucção.

E seguem, de cabeça baixa,
Olhos ao chão,
Ouvidos tapados com as mãos,
As bocas secas e quietas.
Calados.

A fila da morte os espera.
O cortejo sem carros,
Sem flores nem floreios.
Os corpos enterrados vivos
Em cubículos de 50 metros quadrados.

Um continente de indigentes
Subservientes a uma dúzia de fajutos suseranos.

“Tomem um doce. Deem-nos o sangue.”

E seguem dando o sangue.
Deem e não reclamem.

Podia ser bem pior.

Um comentário:

R. Barbosa disse...

Gostei da publicação, lembra um pouco algo que escrevi.
Seguindo o seu Blog.

http://epifaniaspoeticas.blogspot.com.br/