Como dois exércitos opostos,
nossos lábios se digladiavam e se expunham e se enroscavam em um completo
movimento de loucura. Os dentes chegavam a estalar, e arranhavam as gengivas, e
sopravam carícias violentas, feridas internas, sentimentos sem nome,
instintivos e selvagens. A selvageria de nossos amores sôfregos e bêbados se estendia
por um tempo que parecia não ter fim. Havia muitas mãos, e pernas, e pele e
muitos de nós em nós dois. O chão ardia ao toque do nosso amor, a lareira não
era nada comparada aos nossos corpos. E então houve uma pausa.
Um minuto de
silêncio, um prenúncio agourento de uma tempestade macabra. Algo que me gelou a
espinha e apagou o fogo da lareira. A derradeira visão de algo que não nos
pertencia mais se deu em meus olhos. Minhas mãos ainda formigavam, tentando
reter um pouco do calor, nem que fosse uma ínfima parte dele, mas meu corpo
havia cedido. Notei que ele também se entregara, num último suspiro vacilante,
numa última tentativa de evitar aquilo. Mal notei quando a vida me escapou por
entre os dedos e me descobria flutuando, vendo nossos corpos inertes, unidos e
gélidos como o sopro da morte. E lá estava ele ao meu lado, com os braços
esticados para mim, e um sorriso indefinível no rosto. Era uma massa amórfica,
um vulto luminoso e iluminado, minha paixão. Fui de encontro a ele, fundimo-nos
numa dança sincronizada, um balé fúnebre para celebrar nosso estado etéreo.
Lembramo-nos de coisas passadas, outras vidas, outras histórias, outras mortes.
O estado de estranheza do início passara, e agora estávamos novamente habituados
à nossa situação. Entendemos que não somos corpos que têm almas, mas almas que
tinham corpos. Somos livres, somos um.
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