28 de outubro de 2012

Negativo e inegável



Livro: Cinquenta tons de cinza (2011), por E.L. James, publicado esse ano pela editora Intrínseca, com duas xícaras de chá da série Crepúsculo.

  "A autora publicou, inicialmente na internet e sob o pseudônimo Snowqueen's Icedragon, uma versão em capítulos desta história, com personagens diferentes e sob o título Master of the universe", diz o aviso logo abaixo do copyright de Cinquenta tons de cinza, o avassalador sucesso que, assumo, estava louco para saber como era. Ah, mas é claro que o boçal do Alaor aqui quase foi obrigado a não gostar da peça, e sei que isso vai gerar bafafá e pancada no octógono do Mínima Ideia, mas prometo que darei argumentos contundentes como a joelhada do Anderson Silva em Stephan Bonnar.
  A história desse livro, para quem não sabe, era originalmente uma fanfic de Crepúsculo, tendo os protagonistas Anastasia Steele e Christian Grey como Bella Swan e Edward Cullen, respectivamente. A equivalência de Ana com Bella não é nada surpreendente: Duas garotas bonitas até demais para o que representam, atormentadas por uma falta absurda de autoestima e que se excitam com qualquer pessoa, pois todos são mais bonitos do que elas. Já o Sr. Grey e o moço Cullen têm semelhanças menos óbvias: Sim, são inexplicavelmente atraentes para a protagonista e sim, vão para a cama com ela, mas existe um paralelo metafórico bem interessante em suas naturezas. Enquanto Edward insiste que pode machucar Bella e que eles não devem ficar juntos por causa de suas características agressivas e descontroladas... bem, Christian faz a mesma coisa com Ana. A única diferença é que o primeiro é um vampiro e o outro é um praticante de sadomasoquismo.
  Continuemos o roteiro desse romance. Bella e Ana acatam à ideia, mesmo se machucando física e emocionalmente com seus parceiros. Correm riscos sem pensar, estão inebriadas pelo amor, tudo é em nome do amor, amor, amor, bah. Nada contra o amor, afinal eu namoro — e quem me conhece sabe o quão meloso eu sou com minha namorada —, mas nós já sabemos que o amor é bom, que ele move montanhas e que nada supera a força do amor. All you need is love; everybody's gonna love today; I wanna know what love is e por aí vai. Ambas as séries batem na mesma tecla, e querem me dizer que não são irmãos gêmeos vestindo roupas diferentes?
  Já ficou claro que, de Crepúsculo, a espertinha da E.L. James só tirou os nomes e os caninos avantajados, certo? Mas Cinquenta tons de cinza não é só isso. Bem, a cinquentona escreve melhor do que Stephenie Meyer — bem, eu não consegui terminar o primeiro livro de Bella e Edward, enquanto o de Ana e Christian foi engolido sem mastigação em uma semana —, mas ainda está longe de ser uma escrita realmente boa. Palavras repetidas até demais, expressões e gestos que acontecem com mais frequência do que a respiração e o pensamento bizarro da ex-virgem Steele, no mínimo, me irritaram. Um exemplo? Não existem pacotes de camisinha, só envelopes de papel laminado, porque todas as pessoas do mundo ficam falando em papel laminado. Outro exemplo? O prédio do primeiro capítulo só sabe ser asséptico, não existe outro adjetivo para ele. Mais um exemplo? Tudo bem, mas é o último: Ana é paradoxal a ponto de ser o auge da timidez e, ao mesmo tempo, dizer a Grey no mesmo primeiro capítulo que ele fala como um maníaco por controle. Realmente não sei se o que prejudicou o livro foi a escrita da E.L. James, a tradução da Adalgisa Campos ou a revisão da Milena Vargas.
  Isso se não foi as três juntas.
  Cinquenta tons de cinza poderia ter sido muito melhor escrito, isso é verdade. O que quer dizer que a história está longe de ser descartável, apesar das inúmeras intersecções com a série de Meyer. As cenas de sexo são tediosas, as de bondage são muito pouco exploradas e muitos diálogos não têm pé nem cabeça, mas ainda assim o livro consegue ser fluido e não deixar tantas pontas soltas além das que te obrigam a comprar a continuação para entender. Isso me enerva o bastante para nem pensar em ler Cinquenta tons mais escuros, contudo não posso dizer que perdi uma semana lendo o primeiro da trilogia.
  Não acho o livro de estreia de E.L. James merecedor de vendagem tão acalorada. Existem livros muito melhores em circulação, livros que vão além de mera história transviada de amor e têm algo a dizer. No entanto, não sei se as pessoas querem algo a ser dito por um livro, já que muitas vezes ignoram conselhos dos próprios amigos e familiares... Então, para quem quer um pouco de escapismo fácil, é uma boa pedida. Não é ruim de todo, e provavelmente o filme de Cinquenta tons de cinza será bem pior. É um livro baunilha para quem tem um gosto literário baunilha, e você só entenderá essa frase ao ler as mais de quatrocentas e cinquenta páginas que estão longe de ser brownie de chocolate com calda quente.

Aposto que você não sabia que... Cinquenta tons de cinza já despertou o oportunismo de muito escritor por aí. Recentemente foi lançado Toda sua, romance BDSM americanizado redigido por Sylvia Day que muito se assemelha aos moldes de E.L. James, até mesmo por ser uma trilogia. Afinal, o que hoje em dia não é trilogia?

E já chega de Cinquenta tons de cinza na minha vida, cansou minha beleza. Prefiro ver o filme do Pelé.