4 de março de 2013

Estrangeiro

Original: http://teaxa.deviantart.com/art/Untitled-357642466
Artista: http://teaxa.deviantart.com/
         
       O relógio apontava para uma hora em que crianças deveriam estar na cama. Ao contrário, eu estou no bar mais próximo de casa, aproveitando a música estridente e vendo o brilho da madrugada passar em cada espuma branca no meu caneco. Para matar as dores do ser humano que existe dentro de todos nós, nada melhor do que uma boa noite regada em destilados e fermentados! Quando se está muito bêbado só conseguimos enxergar os vultos da realidade e o que queremos bem entender sobre o que é verdade. Um exemplo da minha afirmação é aquele senhor no canto direito, ao lado das mesinhas de centro. Ele foi roubado cinco vezes, enquanto eu penso esse monte de baboseiras, e nem se deu conta disso. Ou deu sim, e eu que sou muito ingênuo. Se existe algo que eu aprendi nessa vida é nunca duvidar da estupidez humana. A cerveja está choca e o meu tempo aqui está acabando, não sei o porquê, mas aquele cara na última mesa a minha esquerda me desperta um certo desespero.

     Acho que ele é um estrangeiro, nada me enoja mais do que forasteiros, principalmente no meu bar. Em uma primeira análise vejo que o magrelo, tem aquela cara de perdido tentando procurar uma saída para o labirinto existencial que se tornou sua vida. Embora com o mesmo caneco de cerveja não consigo evitar o sentimento xenófobo que invade meu peito, talvez eu deva me indagar sobre isso. Ele beberica a cerveja e sente o gosto amargo, talvez o estrangeiro tenha uma história bem fodida!

     Posso até imaginar: Ele trabalha doze horas por dia, seis dias por semana, em um emprego de merda no centro, para ganhar um salário que mal paga as contas no fim do mês. Tenta agradar a mulher o máximo que puder, por isso para sí mesmo sobra os trapos velhos que está vestindo. E a vida não dá uma trégua nas marteladas, ela parece adorar seu ofício, muito diferente dele. E para aliviar a tensão, ele se anestesia toda sexta-feira, pois já sabe que no dia seguinte irá apanhar igual cachorro velho.

     É, deve ser essa a história desse bosta, o que me fode é saber que com o mesmo olho que estou criticando e criando essa ficção, ele também está! Entretanto seus olhos transmitem a raiva oriunda de toda dor que já sentiu meu orgulho se inflama e pede para que eu dê uma lição de moral no sujeito. Ambos levantamos de nossas mesas e em passos combinados paramos um na frente do outro. Não era preciso mais pronunciar palavras, as ações falarão por nós! Desfiro um soco bem dado no meio do nariz torto do sujeito. E o mais estranho acontece, a dor que antes era existencial passa a ser física, voando com os estilhaços de vidro manchados de sangue. E todas as lágrimas que eu deveria ter chorado agora pingam do meu braço.