entre Penha e a moça do vestido escarlate.
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— Me desculpa por mandar você se foder — várias reticências na voz de Penha.
— Já ouvi coisa muito pior vinda de gente mais próxima — e a mal-maquiada levantou os cantos dos lábios no sorriso mais forçado da festa, e olha que os concorrentes eram muitos.
O cigarro de Penha acabou em soluços finais de fumaça, a pontinha incandescente lutando contra si mesma para seguir em frente. Ela atochou essa mesma ponta no cinzeiro, destruindo qualquer esperança.
— Você... realmente não vai me dizer o seu nome? — a malvestida perguntou depois de mais de minuto encarando os cabelos oleosos da outra.
— Não importa. Sem brincadeira, não vai te engrandecer em nada saber essa informação — respondeu, botando mais um cigarrinho mentolado na boca, fazendo casinha com a mão.
— Tudo bem, tudo bem — Penha cedeu, talvez o nome não fosse a coisa mais importante a se saber de alguém — Posso te perguntar por que você 'tá nessa festa?
— Pode.
Segundos de silêncio.
— Não vai perguntar?
— Ah, ah... ah. Pensei que...
— Pergunte.
— Por que você 'tá nessa festa?
Ela não consegue subentender?, Penha pensou. Ela joga de um modo diferente.
— Porque me parece divertida — respondeu, finalmente.
— Você não parece estar se divertindo — a primeira, quase pedindo outro cigarro, retrucou.
— Cada um se diverte à sua maneira — o vestido bordô comentou em pura evasão.
— Posso te... não — Penha sacudiu as madeixas encaracoladas, seduzindo sem querer um ou outro conviva — Deixa eu perguntar logo: Como você está se divertindo aí, parada?
Os borrões de rímel apupilados se viraram lenta e decididamente para ela. Uma tragadinha no mentol e o desprezo quase se materializou em estado gasoso.
— Cada um se diverte à sua maneira — repetiu.
— Então 'tá. Eu me divirto com mais um drinque, ô barman! — Penha chamou em alto e nítido som, direcionando algumas atenções para o vestido bordô que não queria ser notado nem por sua ausência. O barman virou para a dupla dissonante após o segundo grito — Me vê outra piña? — disse, desenhando um copo no ar com as unhas longas.
— Você não sabe ser mais discreta? — a mal-maquiada perguntou com desdém na voz, ácido bruto.
— Cada um chama atenção à sua maneira — contra-atacou, sem exatamente entender o que disse.
Mas Penha tinha razão em suas palavras pouco pensadas. Ela, rainha dos penduricalhos, das argolas chamativas na orelha, dos trapinhos coloridos e justos, chamava a atenção à força, rebolando sua presença de espírito sem prevenção. Uma beleza de mulher, de ancas boas pra parir e bater. Já a outra se destacava pelo misticismo de seus membros finos e rosto pálido, como um esqueleto jogado às teias de um porão. Uma era vida, outra era morte. Igual importância, evidência.
— Certo — o vestido concordou, pensando que talvez Penha não fosse tão jumenta quanto parecia.
A de mãos vazias andou pelos playboys como uma coelhinha pronta para ser fotografada, pelo menos até sua segunda piña colada deslizar pelo balcão. A outra continuou fumando, se divertindo à sua calada e doente maneira.
— O seu nome é Penha, mesmo? — perguntou.
— Olha, você toma iniciativa!
— Não me venha com gracinhas, é capaz que eu mande você se foder se continuar assim — murmurou quase sem flexionar a boca.
— Você é difícil mesmo, hein? — Penha cruzou as pernas, engrossando ainda mais as coxas — Sou Maria. Maria da Penha — retificou, a outra não sabe subentender.
— Imaginei — nome de pobre, o vestido pensou.
— Prefiro me apresentar como Penha, soa melhor — continuou.
— Os homens preferem, não?
— É bem por aí. É mais legal para eles saírem com uma Penha do que com uma Maria. Maria é muito comum, muito...
— Genérico.
— Isso.
Além de uma prostituta vulgar, o vestido refletiu amargamente, consegue ser egocêntrica. Daria para o próprio irmão se esse a embriagasse, mas diria isso para o bairro inteiro com orgulho: Conquistei meu irmão. Puta. Gosto de bile respingou na língua da mal-maquiada.
Continua.