Naquele dia não choveu.
Os olhos claros dela brilhavam como o sol no céu limpo de
nuvens. Ela olhava para o nada, para longe, talvez estivesse procurando sua
casa. Mas ela não estava ali.
Os carros passavam pela rua ao lado, ninguém parecia ligar. O
que importava aquela menina suja e mal vestida?
Nada.
Seus olhos eram um espelho distorcido da realidade. Via
apenas o que queria ver, mais nada. No lugar de carros, havia cavalos brancos e
belos cavaleiros no lugar dos carrancudos e introspectivos motoristas. Os
postes de luz eram belas macieiras, e laranjeiras, mangueiras e outras árvores,
com frutos ainda desconhecidos pela humanidade. Havia animais espalhados pelas
pistas, que nada mais eram que estreitas passagens de terra batida, com uma ou
outra poça e lama da chuva do dia anterior.
Seus olhos brilhavam muito.
Talvez fossem as lágrimas que os marejavam, mas eles
brilhavam como nunca outros olhos puderam. Talvez fossem os faróis de tantos
carros, que agora eram acesos por causa da chegada da noite. Talvez fossem as
estrelas, que se refletiam ali, e tentavam absorver a beleza com a qual a
menina via o mundo ao seu redor.
Mas era muito mais provável que fosse a própria menina, seu
próprio interior que brilhava.
Sim, era mesmo isso.
No fundo, ela era isto: um brilho intenso no meio da
escuridão dos viadutos da cidade enfumaçada.