10 de novembro de 2012

Colisor Anacrônico de Ocasiões Sucessivas (C.A.O.S.)


Foto original: http://goo.gl/67IOl

O que chamamos de caos é somente padrões que não reconhecemos.
Chuck Palahniuk

GRITA, SUA VADIA, VAI. GEME. O vizinho do 9B provavelmente quer mostrar para todo o prédio que sua vida de resume a punheta e inconveniência, mas pelo visto já cansei de me importar com isso. Os gritos do ator, os tapas na bunda da atriz e o cheiro de sexo que sai pelos vãos do umbral dele praticamente me lembram da noite que me conceberam.
Sim, sou filho de uma puta, e isso não me incomoda mais.
GOZA. VAI. ISSO.
Cara, eu não mereço ficar ouvindo isso por todo o corredor, não é? E estou de fones de ouvido me espancando um dubstep qualquer, como esses gritos conseguem chegar até mim?
Entro no meu 9G e a pizza de ontem ainda está sobre a mesa de centro. Agarro um pedaço grudento sabor Queijo Borracha (não é brincadeira, está no folheto da pizzaria) e masco uma mordida enquanto desligo o dubstep no celular. O boné vai para o sofá, a camisa vai para a cama e os tênis viajam para a Terra do Nunca. Só semana que vem conseguirei encontrá-los. Tudo bem, andar descalço dá sensação de liberdade.
O copo de plástico taiwanês vai para baixo da torneira e uma eternidade todinha se passa para que ele se encha de água. E você consegue acreditar que o filme pornô continua gritando em meus ouvidos, mesmo com umas dez paredes me separando do 9B?
Acho que eu deveria reclamar, mas não consigo. Minha vida tem sido um círculo completo desde que descobri a volta em círculo que ela deu, então isso — e quando digo "isso", me refiro ao pornozão escandaloso, ao Queijo Borracha e à torneira disfuncional — não é nada além do que estava reservado para mim desde quando eu nem tinha memória.
Isso não se chama Destino. É só o que obviamente deveria acontecer.

Vivi meus primeiros anos de vida no bordel onde minha mãe trabalhava. Minha primeira memória é o odor de acasalamento e de fritura que permeava aquele local como uma nuvem quase visível. Se fosse visível, juro, ela seria amarela. Era um local nojento, horrível e parecido com o coração dos vagabundos que comiam minha mãe. Um desses vagabundos é meu pai, aliás, e morrerá-barra-morreu sem saber de minha existência irrisória. Só sei que esse bordel tinha o mesmo odor desse prédio-mausoléu onde resolvi me instalar.
Minha primeira namorada chamava Gina; a última também. A segunda e a penúltima eram católicas fervorosas. Antes de morar aqui, minha casa era bem parecida com a que minha mãe alugou em minha infância-barra-pré-adolescência. Pode ser paranoia a lá Número 23, mas minha vida tem sido um círculo completo até então.
Claro, levando em consideração que meu referencial de morte é hoje.
Por que hoje? Hoje é meu aniversário de xis anos, parabéns a mim. A data da ida sendo a mesma da volta, que tal?
ISSO. CONTINUA.

Para não falar que ninguém me ligou nessa data tão especial, minha agência bancária onde estou devendo vinte mil reais e alguns órgãos mandou uma mensagem de "feliz aniversário" para meu celular. Aproveitaram para avisar que gostariam de falar comigo. Só sei que não ganharei presente algum deles.
O queijo está tão borrachudo que eu seria capaz de fazer uma bola de chiclé com ele. Meu estômago está ejaculando sucos gástricos e só o que recebe é borracha aromatizada. Praticamente uma camisinha de queijo. E a borda não é recheada.
Só não quero me demorar, então pego o revólver e aperto o gatilho em direção à circunferência de meus lábios abertos. Não consigo deixar de pensar em sexo enquanto ouço esses gritos pornôs, então penso que o revólver gozou em minha boca.

Acordo em outro lugar. Não que isso faça sentido, mas as pessoas aqui brilham e existe uma cegonha gigante que transforma esses seres em bolotas de energia. Ela me bica depois de um tempo que não sei definir e tudo se torna confuso. Passado, presente, futuro e as intermitências à mostra do bordel ah mamãe não faça isso não não não e as famílias que me odiaram as mortes a culpa é sua mamãe quem mandou me deixar por aqui sozinho agora eu cheiro a desodorante barato e fritura isso é um banjo? Perco a nooooooooçãaaaaaaao de tudo e nossa vocês duas me querem e ahmeudeeeeeeeeus isso é muito bom e a televisão não para com esses reality shows estou preso numa realidade alternativa
subversiva
convidativa.

E a primeira memória que tenho é a de que esse lugar é vermelho e tem um cheiro forte de suor. E, ah, o que estão fazendo ali? Fritando batatas? De novo?