28 de julho de 2012

O diário de Bruce Stancatti


03/04/2222

      Querido diário.

      Já não escrevo com tanta frequência assim para poder te chamar de diário. Como é sabido, coisas demais estão acontecendo para que eu pudesse manter qualquer regularidade.
      Minha pele, a esta altura, já está escamosa e em um tom parecido com o da carne de um salmão. Doses absurdas de esteroides injetadas em meus músculos quase que diariamente estão deformando meu rosto e corpo. Intensas baterias de exercícios nesse complexo fazem com que minhas articulações não atrofiem e se tornem inúteis, afinal... sou uma máquina de guerra. Um monstro, melhor dizendo. A guerra só gera monstros.
      Meu pai ainda tem qualquer tipo de apreço por mim, e por isso volta e meia ele me deixa desabafar aqui, só para – acho eu – ele ler depois. Minha mãe continua entubada, vivendo através de computadores. As pessoas do orfanato, do abrigo, da igreja... nunca mais ouvi falar deles. A sensação de estar sozinho em meio a um exército de criaturas semilúcidas é agoniante.
  Querido diário, isso é pior do que a morte. A tortura de ser submetido a radiação e ser transformado em um algoz pelas mãos de meu próprio pai dói como se eu ateasse fogo em mim mesmo. Ver minha mãe sendo usada como disco rígido seria ridículo se não fosse tão trágico. E qualquer pessoa – qualquer uma – que julguei que pudesse me amar não está nem perto de mim. Estão todos mortos ou em coma. Essa guerra nem começou direito e já estamos todos sem chão.
      Bruce deixou de existir para meu pai. Agora o filho dele é um projeto, um dos únicos codificados por letras e não por números: O projeto BYRON. Ele julgou ser um bom nome para um demônio de dois metros e meio. Estava até pensando em fazer asas brotarem de minha escápula disforme. E, em meio a um aquário gigante com um réptil jurássico – projeto LOCHNESS – e uma nave de tamanho homérico cujo interior abriga uma população de pessoas transmutadas em alienígenas – projeto LIFEINMARS? –, eu podia ser considerado um peão importante naquele jogo. Um peão, e nada mais. Todos sabem que peões são bodes expiatórios que são eliminados no começo do jogo.
      Não sei se vou escrever aqui de novo. Provavelmente em um mês eu estarei pronto para ser mandado a Jerusalém e tocar o terror entre quem acredita que o Apocalipse é metafórico. Se não escrever de novo, dane-se. Isso não terá serventia alguma para uma guerra de onde, sei bem, ninguém sairá vivo.

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