Mal começou o dia e li no jornal que era o fim
do mundo. Como proceder?
Aproveitei o que havia na caixa d’água para
tomar banho, escovar os dentes e fazer o almoço, afinal a companhia de
saneamento básico da cidade já havia cancelado suas operações. Abri a
geladeira, depois a despensa e me desesperei: Não havia mistura pro almoço!
Nenhum mercadinho estaria aberto, era o fim do
mundo. Nem padaria, nem mercearia... Nada. Tive que tomar um gole de coragem e
fazer algo que nunca havia pensado em fazer: Falar com meu vizinho.
Bati à porta dele, arranjei uma pequena
conversa e, no fim, saí da casa dele com quatro ovos e uma cebola. Última
refeição: Omelete. Nada mais digno do que o primeiro prato que aprendi a fazer
na vida.
Ligaram do meu trabalho me demitindo, afinal era o fim do mundo. Era
estranho pensar que eu tinha o dia livre e, depois dele, não teria mais nada. A
verdade? Resolvi fazer o que nunca fiz. Já havia falado com o vizinho, o resto
era lucro.
Marquei uma cervejada com a turma do trabalho.
Nunca fui com a cara deles, mas no fim do mundo todos são mais solícitos. Até
meu chefe resolveu ir.
No bar, conversamos muito sobre futebol, modelos
de carro e arriscamos até falar sobre religião enquanto havia vários profetas
nas ruas gritando que o mundo ia acabar. Se trabalhássemos unidos daquele
jeito, nossa empresa teria dinheiro o bastante para salvar o mundo – falei,
desculpa.
Voltando para casa, já com a visão turva e dois
ex-companheiros de trabalho igualmente bêbados me escorando, passamos em uma
academia onde umas cinco garotas discutiam a viagem que fariam para o Canadá
como se o mundo não fosse acabar. Antes de elas irem para o Canadá, no entanto,
elas deram uma parada em casa. “Vai ser a última festa das nossas vidas”, foi o
que disse para convencê-las.
Peguei minha extensa agenda telefônica e
comecei a ligar para os contatos. Impressionantes cem pessoas lotavam minha
casa até o fim da tarde. Eu, que nunca havia sido popular, tinha agora uma casa
cheia de gente bêbada, dançando em cima do sofá e trucando aos berros. Acho que
já dava para morrer feliz.
(...)
Ou melhor, não. Satisfiz a vontade de muita
gente, faltava a minha. Puxei uma desconhecida para o meu quarto e transei como
nunca antes. Chamei alguns desconhecidos e saímos cantando “Wonderwall” pelados
na rua. Enchi meu carro com umas sete pessoas e fomos até o litoral. Empurramos
uns aos outros na água, fizemos muitas outras amizades, cantamos muito à beira
do mar.
Agora são quase onze horas. Estamos jogados na
areia – como mais umas centenas de pessoas – e o álcool parado no organismo fez
o sono bater. Tenho medo de dormir (bocejo) e nunca mais acordar. Tantas
pessoas que conheci, tantos problemas que ouvi, tantas (bocejo) risadas que
dei... E tudo vai deixar de existir quando der meia-noite.
Uma solidão grande demais está mordendo meu
coração agora. Vejo pessoas dormindo com areia grudada no rosto, mas
sorridentes. Pessoas tão (bocejo) bonitas e prontas pra acontecer; tão
interessantes e cheias de histórias pra contar. Criaturas perfeitas jogadas na
areia como lixo vindo do mar - parecem até cintilar sob a lua. E estão sendo
jogados fora. Desprezados (bocejo), descartados. Espero que saibam que pelo
menos eu me importo com eles como vi que eles se importaram comigo hoje.
(...)
Deve ser o fim do mundo mesmo, estamos nos
importando uns com os outros.
(bocejo)
Melhor eu dormir antes que eles acordem e nem
olhem mais na minha cara.
(...)
A postagem bônus... bem, ela não é das mais ortodoxas. Você que tem menos de dezoito anos ou não tem a cabeça muito aberta não está convidado a ler, mas se quiser entrar de penetra a responsabilidade é sua.
Para quem já pode ser preso, o passe é livre. É só clicar aqui e aproveitar a estadia. Boa leitura!
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