14 de julho de 2012

Ozzy & Sharon

I don't know what I'm doing,
All I know is I don't wanna stop.
("I don't wanna stop", by Ozzy Osbourne)














                                                              


É assim que chamamos as duas: 
Ozzy e Sharon. Ou melhor, referimo-nos a elas desse modo. Creio que a chefe ficaria brava de me ouvir chamá-la de Sharon.

            Todos aqui do Little Wonder suspeitam das duas. MarieOzzy – é a subordinada: Chegou aqui como uma reles garçonete de uma boate gay e logo já estava dançando no balcão e cantando “Total Eclipse of the Heart” no palco. Lady Starbuck – Sharon – é a chefe que havia contratado aquela morena baixinha que logo se tornou grande lá dentro. Não há uma alma aqui dentro que não diz que as duas têm um caso.
            Demorou pouco para Marie – que quando chegara era só uma garota de dezoito anos que precisava de dinheiro, mas que tinha corpo o bastante para ser muito mais do que uma garçonete – ascender diante de nossos olhos pelas mãos de Lady Starbuck. Eu e mais uma dezena de transformistas vimos aquele fascínio lésbico mútuo nos ofuscar, e se não fosse pela simpatia de Ozzy e pelo pulso firme de Sharon, já teríamos feito um motim.
            Quando abrimos nossos olhos cheios de maquiagem, Marie já era um astro.
            Enquanto fazia seu show no Little Wonder, rendeu-se a uma casa de prostituição de Lady Starbuck, onde ganhava dinheiro o bastante para comprar um apartamento em um dos prédios mais seguros dessa guerra, mas ela preferiu se unir a nós em nossa sede num edifício abandonado. Não era um lugar muito seguro, mas protegia as mais variadas opções sexuais de temidas represálias de milícias e gangues anti-GLS.
Não sei direito o que Lady Starbuck – uma cinquentona adolescente de cabelos encaracolados tingidos misteriosamente em vermelho “Rose do Titanic” – via em Marie (a não ser um caso, mas se esse não for o caso), mas de repente essa garota estava ao lado dela a todo momento. Veio-me à cabeça que ela pudesse estar treinando Marie para ser a nova Lady Starbuck – como, reza a lenda, a própria mãe dela foi –, mas ela ainda tinha muita lenha para queimar e não se renderia com meros quarenta... Ou cinquenta...? Lady Starbuck era uma personagem mítica, não tinha idade: Era imortal. Ela não se renderia de modo algum.
A não ser que acontecesse alguma tragédia na guerra. Mas bati na minha boca antes que eu pudesse dizer isso em voz alta.

Agora Ozzy está fora.

          Marie Manson era uma estrela holandesa pronta para explodir em uma supernova e dominar o mundo. Um homem de negócios americano, mês passado, propôs um papel protagonista em um filme pornográfico que, segundo ele, seria de “grande expressão”. Ela e Lady Starbuck estavam no camarim ao lado quando ouvi essa conversa. Estava colocando aquela volumosa peruca azul-marinho sobre minhas madeixas ruivas, passando pó na cara e tentando parecer uma mulher sem parecer uma Barbie enquanto o contrato era discutido por ambas as partes (afinal, àquela época Ozzy e Sharon já eram uma pessoa só). Colocando meu vestido de cetim e adquirindo a identidade de Stella Vie, ouvi os cumprimentos finais depois de o contrato ser assinado. Enquanto colocava minhas luvas, o trio passou por meu camarim – já com a porta aberta – e nossa Sharon parou por um segundo no batente para me mandar um beijo com sua grande e sorridente boca. Mandei outro com tudo que eu podia, mas senti um calafrio que me inebriava no momento. Não tinha nada a ver com o filme que Marie estava para gravar. Tinha a ver com Lady Starbuck.

            Espanei os pensamentos ruins da cabeça e comecei a aquecer minha voz. Aquela era a minha noite. Depois de muito tempo, aliás, tive uma noite só minha: Marie roubava praticamente todas.

Fim.

            Dois dias depois me peguei pensando porque escrevi esse conto sobre as duas. Um conto tão sem começo, meio ou fim. Seria a mesma angústia que me preocupa em relação a Lady Starbuck? Seria só vontade de deixar a história dessas duas para o futuro? Ozzy e Sharon têm uma invejável história que talvez eu vá escrevê-la toda, se elas permitirem.
            Por enquanto, elas ainda a estão escrevendo. Então, que fique por isso. Espero daqui a alguns – muitos – anos poder contá-la inteira.