10 de janeiro de 2013

Solstício do Insone


Gradualmente tudo vai ficando para trás.
Era essa sensação que o garoto de madeixas pratas tinha ao observar as árvores secas da janela do carro. Inspirou até encher os pulmões de ar na tentativa de romper o terrível silêncio entre ele e a motorista, esta última estava focada em sua função: trocava de marcha sucessivamente conforme a velocidade permitida na pista, seguindo sempre em frente. Nem as malas de viagem ousavam soltar um pio. O garoto estava cansado de fazer a única coisa que fez a vida inteira: Observar.

Nesse instante seu coração pulsava um enorme desejo de viver, queria conhecer todas as cidades e cores que ultrapassou. Então, em um ato de coragem bradou:

— É aqui que eu vou ficar!

A motorista parou o carro no acostamento, no momento ele se sentia aliviado por quebrar a pressão, mas não houve muito tempo para se vangloriar, pois foi arremessado violentamente do carro. Tudo ficou branco por alguns instantes até a lingua do rapaz tocar o chão, as malas sofreram o mesmo destino do garoto, porém tiveram o corpo do mesmo para amortecer a queda.

Murmurou sua dor por alguns instantes, tempo suficiente para motorista acelerar o carro, deixando como último presente fumaça emitida pela lata velha. Sem pestanejar ele se levantou, nada abalava a felicidade de ter pela primeira vez, diversas alternativas, tirou a poeira sobre o terno apertado no corpo esguio, pegou a cartola que ganhara no natal, colocou-a e foi caminhar, estava apenas a um quilometro e meio da cidade chamada "Além".

Faltando meio quilometro para chegar na cidade existia um cemitério, o portão era feito de ferro retorcido em detalhes góticos, nos lados existiam duas estátuas gêmeas de leões rugindo, anjos já estão saturados pensou o menino, e em seguida o muro de tijolos pintados de branco que delimitavam o terreno. O garoto contemplou o lugar por alguns segundos até uma forte ventania arrastar as folhas secas, algumas pedras, duas mochilas e o mesmo para dentro do cemitério. Ele tombou novamente, mas dessa vez o chão tinha um gosto diferente, era salgado como lágrimas de saudade.

O garoto abaixo da cartola parou para refletir, ele nunca sentira saudades, agora que parou para pensar, nem se lembrava ao certo do seu passado. Decidiu que criaria boas memórias, queria ter diversas estórias para contar, até que foi trazido de volta para a realidade quando avistou um urso marrom jovem andando sobre os túmulos, ele não tinha uma cara muito amistosa de longe o urso disse:
— O que deseja no cemitério do Além?
— Nada demais, estou apenas de passagem. Respondeu o garoto
— Achei que era mais um dos capangas do  Eterno! — O semblante do menino se encheu de duvidas, que não exitou em perguntar.
— Quem é Eterno?
— Sei pouco sobre aquela sombra, sua mãe era uma bruxa suja, seu pai um morcego-rato, ele cresceu aprendendo as artes obscuras e hoje revive os mortos, usando-os para seus próprios fins nefastos!— A raiva era clara no rosto do jovem urso marrom, suas presas brilhavam com o pequeno rugido. O rapaz então pensou que ajudar o urso era uma forma de criar uma boa memória, então ele indagou:
— Hum.. Se Eterno é um vilão, eu serei o herói! Me diga  como o derrotamos?!
O urso pensou, o garoto surgiu com a boa sorte em uma ventania, talvez ele fosse destinado a enfrentar o terrível Eterno.
— Só sei um ser que pode nos ajudar. Ela só vai chegar daqui algumas horas.. Você tem algum tempo de sobra?