25 de janeiro de 2013

Mr. George

Em homenagem a um dos maiores achados culturais brasileiros e sua anunciada atuação como Jimi Hendrix em um filme internacional. De verdade? Seu Jorge é um dos poucos merecedores do sucesso que tem aqui no Brasil.

Link da notícia: http://goo.gl/q3AH7



Um problema de tradução fez com que todos os funcionários do hotel o chamassem de Mr. George, mas ele não se importou, achou até que lhe deu um ar de presidente. A suíte presidencial o ajudou nesse ar, também.
    Pensou que em uma suíte daquela morariam dez famílias da sua saudosa maloca em Belford Roxo, é um desperdício de espaço. O maleiro atrás dele, louro feito uma calopsita, deposita sua bagagem ao lado da porta de duas folhas e se retira com um aceno de cabeça e uma reverência com o barrete.
    — É isso aí — Jorge murmurou, abrindo os botões de sua camisa Ralph Lauren (outro desperdício, mas foi presente) e liberando seu peitoral negro mas nada queimado pelo sol americano, que parece brilhar bem menos.
    Visitou todos os cômodos de sua cobertura impecavelmente barroca. O quarto era suntuoso e comportaria, facilmente, as vinte mulheres de um sultão; a banheira de hidromassagem era ideal para uma criança aprender a nadar; a vista... Ah, essa vista. Jorge se deteve na janela que ocupava todo o pé-direito da sala de estar, revelando-a lentamente enquanto puxava a cortina dourada de cetim. Conseguia contemplar as palmeiras e mansões de Beverly Hills em sua completude, se sentiu onipotente como Deus por um momento.
    Fez um curto sinal da cruz e beijou o nó de um dedo em reverência, está muito longe de ser Deus.
    (Mas, para muitos, está bem perto de ser santo.)
    Ligou o home theater e enfiou um CD no leitor, uma gravação pirata de um monte de rock clássico. Oh Lord, won't you buy me a Mercedes-Benz? Janis suplicava logo na primeira faixa enquanto Jorge aproveitava a companhia da música para conversar silenciosamente sobre sua inacreditável indicação.
    Indicação ao Oscar, ele pensava enquanto uma máscula estatueta empunhando uma espada reluzia, tridimensional, em sua mente. Aonde mais ele poderia chegar? De onde veio, lá, de tão baixo, onde o caráter era moeda de troca, o destino esperado não envolvia o vocábulo "glória". O de cima sobe e o de baixo desce naquele lugar, não havia perspectiva de uma mudança tão brusca.
    Mas um violão nas ruas levou esse tal de Jorge à televisão em uma daquelas caridades sensacionalistas que dão audiência. Um talento no lixão, uma flor no asfalto, esse era o Jorge de irmão morto e família pobre que andava pelos dejetos do Rio de Janeiro com um violão surrado e uma voz que ribomba feito trovão, tempestade. Molha, encharca, inunda.
    Dream on, dream on, dream on, dream until your dreams come true, Steven Tyler cantava nos alto-falantes que brilhavam de tão novos e limpos. Um radin'di pia, feito o que sua vó falava, era o ápice de definição de áudio naqueles tempos longínquos e, ao mesmo tempo, tão tangíveis. Agora tudo é uma confusão de sons e sabores e amores, uma viagem de LSD sem um microponto sublingual. Sensações inimagináveis de milhões cantando sua música, comparecendo aos seus shows, assistindo a seus filmes.
    Tudo fez parte do elemento surpresa.
    Ninguém esperava que o Seu Jorge do lixão tivesse culhões e talento para seguir em frente, galgar os degraus de sua própria escadaria rumo ao Paraíso. Era só uma atração do teatro de aberrações que é a televisão. Um rostinho malcuidado com quinze minutos de fama, quem hoje em dia não teve seus quinze minutos? Mas há quem saiba usá-los, e ele sabe que soube. Não é petulância, é indicação ao Oscar. É continuar galgando os degraus.
    Jorge acenderia um cigarro se fumasse (parou pela própria saúde de superstar), só para dar aquele estilo ao homenzarrão de peito descoberto no alto da montanha de concreto. O celular tocou, mas e a preguiça de atender? Preciso de um tempo sozinho, pensou. Ele se voltou ao sofá, recostou-se folgado na suíte só sua e sonhou com beijinho na bochecha da Jessica Alba e aquele abraço parceiro no Christopher Walken, You were incredible in the movie, Mr. George!
    No home theater, Jimi Hendrix chamava um tal de Joe. Jorge pensou que talvez fosse com ele e prestou atenção na música.