30 de setembro de 2013

Uma granada no estômago

Original: DeviantArt.

      Isso não é um teste.
      Você nasceu aqui, está bem crescido para saber que seu corpo é carne e gordura. Esqueça os bits e bytes.
      Esqueça o que aprendeu até aqui, nada-nunca vale a pena.
      Nada, nunca. Suas fórmulas matemáticas e suas boas maneiras são irrelevantes, pare de se mostrar inteligente ou cortês.
      Seu gato não se chama Nietzsche, caralho. Pare com a autopromoção gratuita e arrogante, você também já acreditou em Papai Noel.
      Seu gato é um gato e ele não precisa de nome.
      Sua mãe é sua mãe e o nome dela é mera colagem de uma linhagem.
      Você é você e é um grande acolchoado remendado na história da genética.
      Fruto do que há de aleatório, não se sinta especial. Você pode ir embora do jeito que chegou, assim é a rodoviária da vida. Quem parte para buscar sonhos também pode voltar com os bolsos vazios de esperança. No mesmo lugar. No mesmo ônibus. No mesmo momento.
      Cada começo é um fim, e nessas horas nem te digo onde enfiar Bháskara.
      Nessas horas, nem te digo qual talher usar para comer peixe.
      Nessas horas, nenhum bom-dia para um estranho na rua te alivia.
      Sua educação moral, sua inteligência lógica, tudo vai pelo ralo quando o fim vem antes do começo.
      É o empurrãozinho da gravidade de que tanto falam.
      Ou da loucura, até já esqueci a citação.
      Nessas horas, nenhuma citação memorizada descreve seus sentimentos.
      Não importa quantos álbuns você ouviu na vida, não importa quantos livros foram devorados: Há algo que importa?

      A desilusão te desconstrói.

      Sua aparência é relegada. A barba cresce, toma forma, quem disse que você se reconhece no espelho? Os olhos remelentos de toda manhã que você esquece de lavar, a camiseta do pijama que você usa para trabalhar. Você encontra conhecidos no ônibus e eles nem sabem que por baixo de sua jaqueta está uma estampa do Homem-Aranha que você usa desde seus doze anos. Você os encontra e não sabe se eles vestem uma regatinha rendada da Hering por baixo do moletom.
      Será que sabemos de algo?
      Sua mente é relegada. Você subestimou a capacidade que a vida tem de te mostrar burro. Não há Joules nem Mols para medir sua desconstrução. As situações nunca são as mesmas, para que aprender com seus próprios erros? E a maior parte de sua vida não depende de seu esforço, deixe para trás seus ideais revolucionários se você não está disposto a morrer.
      Será que o final feliz é o final padrão?
      Seu corpo flutua em um tempo-espaço indefinido, segregado, rachado, os paralelepípedos de uma antiga viela após uma explosão. Escolha os amigos que têm menos probabilidade de te apunhalar, os amores aparentemente dignos, os empregos onde sorriem menos com aqueles lábios forçosos e fazem mais com as mãos cascudas. Se tudo continuar bem, ótimo: Essa é a sua chance de acabar com tudo. Coma aquela tilápia sem usar as mãos no jantar dos funcionários; traia a Rose de sua vida de Jack com dois dígitos de vadias; minta.
      Minta.
      Menta.
      Uma bala de menta.
      Você é uma bala de menta que escorrega da mão antes de entrar na boca. É pisada pelos transeuntes, se estilhaça em um pó esmeralda que parece tão alucinógeno...
      Parece cocaína, mas pode muito bem ser cocaína, mesmo.
      Drogue-se, beba, seja nada além de um esgoto revestido por pele de anjo. Sugue toda a podridão dos seus próximos e cuspa neles quando se fartar. Vomite a desgraça. Seja a desgraça.
      Já diria o meu pai que eu nunca conseguiria ser mais do que isso.
      Nunca conseguiria nada na vida.
      Aquela história de servir como mau exemplo é balela: Faça com que os maus exemplos te achem repugnante.
      Assim, talvez, você será amado por tantas pessoas que poderá parecer feliz.
      Porque ninguém é feliz, mas se você parecer já é um bom caminho rumo à autodestruição.
      A autodestruição é a resposta.
      Você sabe disso pois eu sei disso.
      Depois de tantas pessoas arrancando lascas dessa sua pele infantiloide, sem cicatrizes nem arranhões, está na hora de engolir uma granada e puxar o pino com um anzol, abraçar todas essas pessoas que te amam, beijá-las todas na podridão de suas bocas e pensar em como a vida é curta. Em como aquele amor está prestes a acabar por arbitrariedade.
      A vida é curta e arbitrária pra caralho. Não tente encontrar sentido nela.
      Você não mede a vida com Bháskara.
      E esses amados te erguem, lançam-te ao ar, toda sua desconstrução explosiva balançando na eternidade, a gravidade age e você se lembra de como garantiu seu lugarzinho no céu antes de descobrir que a Terra é seu próprio inferno. Comprar o céu estando no inferno é como derramar água na boca de um cadáver. Onde será que anda aquele amigo de escola, que brincou contigo no pré? Ah, e aquela professora do segundo colegial que fazia de tudo pra te fazer acreditar em uma carreira na engenharia química... Aquela prima de São José do Rio Preto, aquele cara que você conheceu na fila do Rock In Rio. Nossa, como existem pessoas nesse mundo.
      E como nenhuma delas importa quando você está a dois segundos de explodir.
      A um segundo da destruição.
      A ponto de ser feliz.