Os olhos dela pingavam como gotas
do chuveiro lá de casa. Não faziam barulho, apenas o suficiente para me
irritar. Aquele pinga-pinga, e as fungadas não me comoviam mais. O dia era
quente, e eu queria ir para o lado de fora de casa. Os poucos raios de sol que
entravam pela fresta da pesada cortina cor de sangue me impediam de ir até ela
e dar um tapa na cara, chamar-lhe de volta à vida. Não que eu me importasse com
ela, mas o choro me incomodava.
Eu não choro há anos, acho que
alguma coisa dentro de mim se quebrou, está rompida. Estou sozinho no meio de
todos. Estou sozinho com ela, e não sei o que fazer.
O barulho de carros me chama à
rua, mas não posso sair. Ela ainda está ali, e as lágrimas também estão. Elas
não param, parece que vão encharcar toda a sala. Meus móveis são velhos, já
sofreram mordidas de cachorros, arranhões, chutes, entre outras coisas, mas
nunca uma enchente. Não sei se eles aguentam.
Gulliver está quieto hoje, nem
veio ver se estou bem. Talvez na hora de sua ração ele venha. Talvez tenha ido
correr atrás de alguma cadela. Esses cachorros de meia idade são todos assim,
pelo menos os que não deixaram herdeiros no mundo. Ah, Gulliver... não se
iluda. Quando sua cadela for chorar, você estará aqui, no meu lugar. Os carros
estarão lá fora, mas não poderá correr atrás deles. Os carteiros, então... esqueça
suas mordidas neles. Muito menos aqueles ratos que você caçou pra mim. Terei
que caçá-los sozinho.
Gotas gordas como uma porca
prenha caem dos cantos dos olhos dela.
Será que não param?
As costas de suas pequenas mãos
tentam abafar o estrago feito na maquiagem, mas não adianta. O entorno dos
olhos está negro como a noite mais fria, e eu não consigo mais olhar para eles.
Preciso de calor. Preciso da rua.
Preciso fugir.
Finalmente, com um último soluço
e uma fungada, ela consegue parar de chorar. Vou ver se posso ir fumar um
cigarro agora. O calor lá fora deve estar revigorante. Não sei, não sei... ela
não quer sair daqui...
- E então? – ela disse, ainda com
as mãos cheias de maquiagem.
- Então é isso. Preciso de um
cigarro. Vem comigo?
- Já disse que não. Você sabe bem
que eu não fumo. E não tô com saco pra você agora.
- Tá certo. Bom, tô indo lá fumar
um cigarro, ok?
- Vou fazer um favor pra você. Vou
comprar um maço de cigarros ali na esquina. – dessa vez ela se levantou, e me
deu um belo tapa na cara, saiu pela porta e foi embora.
Pelo menos o choro tinha acabado.