23 de fevereiro de 2013

Cigarro mentolado

Da série "Pecadoras", um encontro despretensioso

Original: http://goo.gl/L321D

Festa de bacana, opa, era um barato. Penha amava o modo como as pessoas a observavam em ocasiões assim. Andava bem rente aos círculos de amigos cervejados, todos de olho em toda aquela carne vestida com poucos trapos. Malvestida, sim, todos sabiam que ela não pertencia àquele bioma, mas era bicho exótico, bonito, um rouxinol entre os urubus de cordão de ouro.
          O garçom levava um drinque para a mesa dez, mas é claro que Penha rebuliçou os cachos e o convenceu a deixar a piña colada com ela. Saiu rebolando, não ouvia música alguma mas chacoalhava pra lá e pra cá como em uma discoteca. Cantarolava, afinal, molhando os lábios mais do que deveria, ela tem veneno!, comentavam. Até pensaram que ela era contratada do dono, ia subir lá no quarto dele e fazer uma festinha particular com aquela piña colada, mas isso é um ultraje! Penha não cobra para alfinetar corações como borboletas em um álbum de colecionador. Ela faz isso por prazer, e, de verdade, o que Penha não faz por prazer?
          Sentou no balcão à beira da piscina, bebeu o drinque com as pernonas cruzadas e girando levemente pelo eixo do banquinho estofado. Não cansava daquilo, de eriçar os olhares e desejos de todos. Em festa de bacana era mais gostoso ainda, se sentia uma índia cortejada pelos portugueses na época do Descobrimento. Bem antes dos índios serem catequizados e comerem do fruto da religião, quando a diversão e o desperdício eram a regra inviolável. Essas festas seguem a mesma regra, e Penha andaria só de pintura no corpo pelos convivas se possível. Completou trezentos e sessenta no banquinho e percebeu que, a três bancos de distância, um cheirinho de mentol se dissipava no ar.
          Vem daquele cigarro, pensou, e a vontade? Tinha prometido pro seu Zé, seu patrão, que pararia com isso, mas esses cigarrinhos mentolados são tão bons... ele nunca vai saber, e se aproximou da calma moça que o sugava devagar, tão devagar que nem sugava. Sentou distraída no banco vizinho, mais uma canudada de piña colada e perguntou se ela tinha mais um.
          — Hã? — os olhos profundos, maquiados até o talo, se viraram em desdém. Tudo que a moça não esperava era uma frase direcionada a ela.
          — Mais um. Desse — Penha soltou o indicador do copo e apontou para o tubinho preto e chamuscado nos dedos dela.
          — Ah. Pega — a mão livre abriu o zíper da bolsa e de lá sacou o maço. Abriu-o com a mesma mão e empurrou-o para a sedenta Penha, cuja consciência estava pesando e pesando, coitado do seu Zé.
          A malvestida catou um cigarro feito máquina de grua e pediu o isqueiro. Mas que importuna, a mal-maquiada resmungou, e colocou o zippo do Elvis Presley no balcão. Penha fez casinha para o fogo, mamou o tubinho umas três vezes e agradeceu os favores. A outra murmurou algo que não deu para entender, mas que com certeza não foi "de nada".
          Fumaram em silêncio, cada uma em seu quadrante do Universo. Penha voltou a rodopiar no banco e a chamar atenção da libido presente, mas ao lado dela tudo que se via era um corpo magricelo que sumiria dentro do vestido bordô se perdesse mais dois quilos. E, fumando naquela vagareza, iria demorar pra perder, hein? Penha, por sua vez, tinha uns quilos pra perder, mas a gostosura das pernas compensava as travessuras nas refeições. A única comunhão entre elas era o cigarro, uma nuvem de mentol que rodeava seus banquinhos e as sufocava perigosamente.
          A mão da malvestida se estendeu à frente dos olhos da mal-maquiada.
          — Penha. Prazer — tentou um sorriso simpático. A mesma expressão desprezível se fez no rosto da outra.
          — Não finja que quer conversar comigo — e virou o rosto, fumando mais um tiquinho.
          — Então vai se foder — Penha levantou do banquinho e, se fosse mal-educada assim como é malvestida, cuspiria no rosto dela. Cuspiria na mão que a deu cigarro, sim, Penha não tem pavio. Quer aproveitar a vida e nunca perder tempo com mal humor, principalmente quando ele vem dos outros. Ela, enquanto se afastava da mocinha depressiva, pensava que para cada pessoa triste havia umas cinco alegres, olha essa festa! Cheia de homem bonito, rico, com amor e presente pra dar. Queria mais um drinque, queria ficar um pouco mais louca para enlouquecer ainda mais quem a visse rebolando, cantando, vivendo. Era uma rodovia inteira de mau caminho, belezura para tantos olhos e poucas mãos. Não perderia tempo, repetiu.
          Mas seus olhos caramelizados voltaram a avistar o vestido cor-de-vinho quase vazio que há pouco lhe dera o cigarro que segurava. O mentol as unia, talvez fosse melhor ajudá-la. Deve ter acontecido algo, Penha pensou. Terminou a piña colada, mordeu os lábios para mais alguns homens e voltou ao balcão.

Continua.