13 de abril de 2013

Neblina demais

Imagem original: http://goo.gl/32Sg4

Sou desembrulho, descoberto. Ando pelas ruas e o amor não está lá; estaria então em meu embrulho?
Uma vida inteira procurando por amor e o encontro com ele acontece em um esbarrão. Desculpas mútuas, olhos que não se encontram e fim. O amor é realmente necessário? Dizem que sim... mas agem que sim?
Discutir sobre o amor com a esposa não é das melhores ideias, mas fiz isso. Ela enchia uma caipirinha com açúcar quando vim com esse papo. Uma massagem leve na barriga oblonga disse, por ela mesma, que o amor tinha lá sua necessidade. Como criaríamos o Guilherme sem ele?
Mas julgo que o Universo não precisou de amor para criar qualquer vida.

Sou desencontro, travando diálogos com esquinas e paredes. A rua continua nada amigável, e o orelhão está caindo aos pedaços. Fico por baixo de sua carapaça, começou a chover. Disco um número indelével em meu neocórtex. Antes, 9090. Quem tem cartão hoje em dia?
Ela atende e marcamos um bar. Encontro com ela, a chuva inutilizando minhas meias e o cabelo dela. Pergunto se, por qualquer acaso, sabe onde deixei o amor.
— Comigo que não foi — e chega seu suco de caju, ninguém gosta de suco de caju como ela. Talvez suco de caju seja seu amor.
Pensamos em um passado longínquo, antes do século virar, daquele monte de zeros no ano. O amor estava ali?
— Se estivesse, ainda estaria — ela responde.
Meu cérebro faz brincadeiras e me põe dentro de um DeLorean, volta ao tempo. Passado vivo como presente, ainda estamos nos mil e novecentos. Mas ela vira o suco de caju assim como o século se virou. Isso me dá um enjoo... Digo que vou ao banheiro e ajoelho em frente a um vaso sanitário. Nada. Tenho receio demais para colocar o dedo na goela, será que esse enjoo não é mental?

Sou desamor, desconstrução. Destruição, e a chuva calma volta a se enfurecer, joga granizos nos carros. Estou protegido em casa, a voz trêmula de mamãe gritando sua falta de amor pela residência hermética. Os granizos parecem querer me atacar, e tenho vontade súbita de ir à rua e socar gelo por gelo. Afogar-me, congelar-me, zero absoluto.
— Tem falado com aquela menininha da primeira série? — mamãe pergunta, servindo chá de gengibre para mim.
Ela morreu. Atropelada, uma fatalidade. Estava a uma semana do casamento, uma tragédia. Um alívio para o noivo, que pôde se firmar com a amante. A aliança dourada foi junto do caixão, mas ela não a levou ao céu. (Pode tê-la levado ao inferno.)
Foi meu primeiro amor. O amor mais instintivo, mais nebuloso, uma visão turva sob chuva de granizo. Nada além dos segundos andares pode ser visto, é neblina demais. Mas eu gostava dela. Ela me odiava, mas eu gostava dela. Pode crer nisso, é muito provável que meu amor tenha morrido nesse atropelamento.
Não meu amor-pessoa, meu amor-entidade.
Bebo o chá de gengibre e é como engolir ódio.

Encontrei o amor esses dias. Estava na fila do banco, atabalhoado em tirar dinheiro da carteira. Não olhou para trás, mas sabia que era ele. Aquelas formas estranhamente familiares mas de bordas borradas, uma pintura abstrata que muitos nos lembra de nosso interior.
Vi a abstração pagar suas contas e ir embora. Estava com pressa, saiu correndinho, nunca mais apareceu.
Acho que ninguém se importou muito. Eu chorei, chorei muito, minha esposa chorou comigo. Senti, sinto calafrios noite afora, como pude me deixar enganar?
Fiz as malas e disse que só voltaria quando pudesse sequestrar o amor.
Só para mim.
Já que ninguém usa...