8 de dezembro de 2011

Cale-se



"Pai, afasta de mim esse cálice. "

Chico Buarque.

Pode parecer que foi há muito tempo, numa galáxia distante, mas foi no chão desse nosso país, e começou meio seculo atrás... As pessoas estavam nas ruas, lutando, protestando e fazendo tudo que fosse possível e às vezes até o impossível, para conseguir o que lhes era de direito... O direito de se expressar, de dizer o que precisava ser dito, e até dizer o que ninguém precisa, mas todos querem dizer... E isso se conquistou quando um homem fez algo tão poderoso quanto uma oração. Aliás, algo mais poderoso... uma música.


Hoje o direito de se expressar está presente na vida de cada um, porém creio que deveria haver também o dever de pensar antes de abrir a boca, clicar um botão... Antes de jogar no ar milhares de coisas que ficariam bem melhor guardadas dentro de cada um.
O mundo mudou, cresceu e depois encolheu. O que era distante hoje esta a um click de seu alcance... Recebemos o poder, só esquecemos das grandes responsabilidades... Poder sem luta, paz sem voz e coisas do tipo.


"Você pode até dizer que eu tô por fora ou então que eu tô inventando,
mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem...
hoje eu sei que quem me deu a ideia de uma nova consciência e juventude está em casa guardado por deus contando o vil metal..."
Elis Regina.

Escrevi assim, com a sonoridade que Chico e Milton escreveram "Cálice", um poema de tributo e reflexão. Não sei se agradarei a quem ler... mas se ao menos fizer pensar, dou-me por feliz.

Afasta de mim o aceito.

E todos podem fazer poesia
mas a escrita parece tão dura...
ao parecer cada vez mais vazia
a geração que não viu ditadura...

Dizem que nulo é voto de protesto
mas eu o que vejo é muito desrespeito
Contra cada homem muito honesto
que tem cicatrizes firmes no peito

Não se vê fora mas se sente dentro
O grito torpe que ninguém escuta
Quem deveria protestar no centro
Assiste em casa o clube da luta.

E a liberdade tão reivindicada
Tem preconceito e hoje tanto abuso...
De que me vale ter a madrugada?
Se meu próximo anda tão confuso

Somos exatos mundo digital
sem motivação para o luto
quem compartilha o artificial
e cuja voz eu nunca escuto

Pai, afasta de mim esse, cale se, Pai
o justo padece por gangue, ó, Pai
pra quê esse banho de sangue?

Se não existe amor em SP
Vamos criar amor nesta cidade
Quem vulgariza o "amo você"
é porque nunca amou de verdade.

Vamos cantar essa sala de aula
e ir de frente resolver problema...
Ninguém aguenta mais viver na jaula
Dizer que foda é esse sistema.

Analfabeto negro nasceu pobre
Mas nem por isso tu és melhor que ele..
Em tuas veias não corre o cobre
Teu sangue é vermelho igual ao dele.

E dito isso, deixa essa cadeira
Pai, é difícil ver revolução.
Adolescente, quebre essa barreira,
Mas não aceite essa situação

Somos os lobos pela noite afora
Não caranguejos cegos deste mangue
Corpo no asfalto a viúva chora
Pra quê esse banho de sangue?


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