15 de junho de 2011

O discurso de Rodrigo

- Parte 1: A poesia de Adelaide -


Subo no palco. Ah, quantas vezes já fiz isso?

Centenas de pessoas naquele salão me olhavam, esperando minha voz sair pelos alto-falantes. Todo tipo de gente, desde os caras da Portobello Club, passando pela minha família pequena e chegando nas garotas do meu fã-clube. Era muita gente mesmo, até gente que eu nem sabia quem era.
Segurei o microfone com uma mão e o pedestal com a outra. Tentei, por um momento, avistar Adelaide em meio a muita gente desnecessária, mas nada dela. Talvez ela nem morasse mais em São Paulo, caramba. Como fui idiota em convidá-la.
Bem, então vamos lá. Hora do discurso.

— Primeiro, eu... queria agradecer a todos que vieram. É uma honra para mim dividir esses cinquenta anos com vocês.
Minhas mãos estavam fazendo pressão demais no pedestal. Percebi que elas, de algum modo, estavam geladas de suor. Parecia a minha primeira vez em cima de um palco.

Quantas vezes já subi em um palco, mesmo?


— Em segundo lugar... eu quero dizer o quanto essa vida é bela, sabe? Nunca havia me imaginado aos cinquenta anos assim como estou. Nunca pensei que meu esforço seria tão recompensado, e acho que alguma coisa lá em cima me ajudou. Ou lá embaixo, não sei.
Como sempre, arranquei algumas risadas da plateia. Só eu não conseguia rir. Meus olhos ainda estavam agitados, olhando para todos e para ninguém. Senti medo, como não sentia há muito tempo. Sentia minha pequenez diante do meu coração.
E, de repente, eu não podia mais segurar.

Fechei os olhos e tentei esquecer Adelaide. Enquanto estava de olhos fechados, nem notei o tempo passar. E ele passou rápido. Os convidados começaram a burburinhar com um ar de preocupação, mas minhas pálpebras não queriam levantar. Eu estava preso.
Minha respiração acelerava mais e mais. Alguns já até pensavam em infarto, só que não era nada disso. Eu não ia morrer, por mais que quisesse. Era só uma vontade incontrolável de sumir, me esconder em casa e só sair quando minha mente estivesse organizada. Era aquele clássico momento depressivo do dia do aniversário, ia passar.
Abri os olhos. Eles estavam embaçados, mas pude ver os vultos se aquietando e os caras da banda (que estavam quase me levando nos ombros para um pronto-socorro) se afastando. Meus nervos tremiam involuntariamente, mas tudo parecia sob controle. Eu só queria...
Só queria...
— Eu queria falar a verdade para vocês.
Eu só não queria pensar alto.

Todos se silenciaram em um clima mórbido. Do nada, a festa não era mais uma festa. Ela, na verdade, nunca deveria ter sido. Eu queria falar a verdade para as pessoas há muito tempo, e aquela era a hora. Na festa.
— Depois desses cinquenta anos, eu percebi que... que não é isso que eu quero.
— Isso? — Uma voz disse no meio da multidão. Acho que era meu empresário.
— Sim, isso. Essa vida — Mesmo depois de tudo isso que havia acontecido, minhas mãos estavam no mesmo lugar, como se uma corrente elétrica estivesse passando por elas — Essa vida de muitas vozes e poucas palavras, essa vida cheia de contos de fadas e nenhuma lição de moral. Nada disso parece estar fazendo sentido agora. Muito obrigado por terem vindo, mas... eu preciso sair.
Tirei as mãos do pedestal e elas estavam brancas como minha alma. O público estava atônito, mas aquela era a verdade. Todos aqueles convidados, todo o glacê no bolo, todas as cinquenta velas e toda a minha vida até aquele ponto era um erro. Já vi tanta gente que chega ao fim da vida sem buscar o que quer, e eu não quero ser assim. Não quero viver só porque ainda não morri.
De novo me veio à mente se eu não trocaria minha vida de rockstar por uma vida ao lado de Adelaide. Só que daquela vez eu tinha a resposta, e todos sabiam qual era. Estava estampada em minhas mãos petrificadas pelo suor e em meu olhar vazio.
Onde estaria Adelaide a aquela hora?

- Posfácio -

1. Desculpem a formatação, estou BEM SEM TEMPO de ficar postando e arrumando e emperiquitando o post.
2. Pensei que "A poesia de Adelaide" acabaria aqui. Só pensei, né. Essas coisas não acabam tão facilmente.
3. Está um inferno toda essa situação das postagens, me sinto até como uma mera participação especial no blog. Dá vontade de sair xingando geral por aí, mas eu me seguro. Como sempre me segurei.

Até a próxima, gente! (:

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