4 de abril de 2012

Inalcançável

O personagem dessa história não tem nome. Não quer mais tê-lo, pelo menos. Ele é do sexo masculino, um pouco mais velho e magro que seu ideal.
A vida dele é rotineiramente desesperadora. Uma pessoa dita normal – algo que espero que você, leitor, considere ser – não aguentaria mais de um dia sendo o cerne da pele pálida desse homem. Aos poucos, creio que conseguira entrar um pouco na mente dele e olhar pelos olhos dele. Mas já vou avisando: A visão não será nada boa.

Pois bem.
Nosso personagem começa tendo graves problemas com o tempo. Essa entidade, mãe da ordem, perdeu o valor para ele. Uma vida atemporal, onde desfrutamos da eternidade para nos resolvermos, era o que ele mais almejava. No entanto, seus dias arrastados cada vez mais tocavam seus sentidos em câmera lenta. A água do chuveiro demora demais para atingi-lo, e quando o faz é como uma chuva de granizo: Cada gota deixa uma sensação de (ar)dor que se esvai rapidamente, mas que permanece na memória por mais tempo que o recomendável.
Seus passos são lentos como se o mundo fosse submerso e ele tivesse que enfrentar a resistência da água a cada respiração, a cada piscada, a cada movimento. Ele tem o tempo que quer, mas não consegue respeitá-lo. Cai em contradição inúmeras vezes em sua cabeça.

Por falar nisso, o paradoxo da situação está exatamente dentro de seu crânio. Embora tudo em sua vida se locomovesse com dificuldade, seu cérebro não havia perdido a capacidade de fervilhar em pensamentos. O que leva angústia à garganta dele. O que o faz soluçar de ansiedade, chorar de preocupação.

A lentidão da vida o faz não perder um segundo de existência. Todas as palavras são entendidas, todas as formas são decifradas. E um só segundo normal de ação equivale a um passaporte para o pânico na vida de nosso personagem. Imagine o choro de uma criança se delongando pelo quíntuplo do tempo, talvez até mais. Imagine cada vibração desse som te atingindo, cada músculo movido pelo infante sendo percebido com a clareza e a limpidez de uma taça de cristal. Imagine-se nessa situação. Vinte e quatro barra sete.

Isso sem contar as cores.
A perturbação ganha volume quando o homem sai de seu apartamento e se depara com a rua. Tudo, absolutamente tudo se resume em tons. Tons de vermelho, de amarelo, de lilás. Nenhuma cor vívida, todas misturadas com um cinza cadavérico. A vida parece mostrar-se pela metade; e ele nunca tem ideia do porquê.
É, a resposta. Algo tão longínquo para nosso personagem que acabou de ganhar vida na tinta da minha caneta e já anseia por respostas para sua vida inteira.

Ele não tem noção de onde veio, porque veio, se ainda irá. Sente-se um ponto tão ínfimo e isolado diante da extensão da eternidade que prefere pensar que não é seu passado nem seu futuro... mas também cansou de ser presente.
Nosso personagem sempre quis muita coisa. Sempre teve sonhos de grandeza onde poderia repousar em paz sobre seus louros da vitória. Não queria comandar nações, formar opiniões... cresceu acreditando que todos poderiam ser grandes a seu modo, e assim queria esse objetivo tão parcamente simplório em sua mente.
Assim, resolveu adequar o mundo às suas pretensões... e assim fez. Desejou em uma noite, olhando friamente para as estrelas, que pudesse ter todo o tempo do mundo para atingir sua meta... e assim se fez. Como um desejo de Dorian Gray.

Nem um mês havia se passado desde o pedido, e o homem já se sentia cinco anos mais velho. As cores desbotaram, as pessoas atrofiaram, e sua mente só borbulha. Quando, em meio a suas infindáveis reflexões, concluiu que ele teria que se adequar o mundo, já era tarde demais.
Seu desejo fez seu objetivo ser inalcançável.

(...)

E, só por curiosidade, você ainda acha que suportaria a vida desse homem? Não quero que pense nisso, quero que responda. Se não puder responder sem pensar, esqueça. Já é tarde demais para isso.



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