A
vida dele é rotineiramente desesperadora. Uma pessoa dita normal – algo que
espero que você, leitor, considere ser – não aguentaria mais de um dia sendo o
cerne da pele pálida desse homem. Aos poucos, creio que conseguira entrar um
pouco na mente dele e olhar pelos olhos dele. Mas já vou avisando: A visão não
será nada boa.
Pois
bem.
Nosso
personagem começa tendo graves problemas com o tempo. Essa entidade, mãe da
ordem, perdeu o valor para ele. Uma vida atemporal, onde desfrutamos da
eternidade para nos resolvermos, era o que ele mais almejava. No entanto, seus
dias arrastados cada vez mais tocavam seus sentidos em câmera lenta. A água do
chuveiro demora demais para atingi-lo, e quando o faz é como uma chuva de
granizo: Cada gota deixa uma sensação de (ar)dor que se esvai rapidamente, mas
que permanece na memória por mais tempo que o recomendável.
Seus
passos são lentos como se o mundo fosse submerso e ele tivesse que enfrentar a
resistência da água a cada respiração, a cada piscada, a cada movimento. Ele
tem o tempo que quer, mas não consegue respeitá-lo. Cai em contradição inúmeras
vezes em sua cabeça.
Por
falar nisso, o paradoxo da situação está exatamente dentro de seu crânio. Embora
tudo em sua vida se locomovesse com dificuldade, seu cérebro não havia perdido
a capacidade de fervilhar em
pensamentos. O que leva angústia à garganta dele. O que o faz
soluçar de ansiedade, chorar de preocupação.
A
lentidão da vida o faz não perder um segundo de existência. Todas as palavras são
entendidas, todas as formas são decifradas. E um só segundo normal de ação
equivale a um passaporte para o pânico na vida de nosso personagem. Imagine o
choro de uma criança se delongando pelo quíntuplo do tempo, talvez até mais. Imagine
cada vibração desse som te atingindo, cada músculo movido pelo infante sendo
percebido com a clareza e a limpidez de uma taça de cristal. Imagine-se nessa
situação. Vinte e quatro barra sete.
Isso
sem contar as cores.
A
perturbação ganha volume quando o homem sai de seu apartamento e se depara com
a rua. Tudo, absolutamente tudo se resume em tons. Tons de vermelho,
de amarelo, de lilás. Nenhuma cor vívida, todas misturadas com um cinza cadavérico.
A vida parece mostrar-se pela metade; e ele nunca tem ideia do porquê.
É,
a resposta. Algo tão longínquo para nosso personagem que acabou de ganhar vida
na tinta da minha caneta e já anseia por respostas para sua vida inteira.
Ele
não tem noção de onde veio, porque veio, se ainda irá. Sente-se um ponto tão ínfimo
e isolado diante da extensão da eternidade que prefere pensar que não é seu
passado nem seu futuro... mas também cansou de ser presente.
Nosso
personagem sempre quis muita coisa. Sempre teve sonhos de grandeza onde poderia
repousar em paz sobre seus louros da vitória. Não queria comandar nações,
formar opiniões... cresceu acreditando que todos poderiam ser grandes a seu
modo, e assim queria esse objetivo tão parcamente simplório em sua mente.
Assim,
resolveu adequar o mundo às suas pretensões... e assim fez. Desejou em uma
noite, olhando friamente para as estrelas, que pudesse ter todo o tempo do
mundo para atingir sua meta... e assim se fez. Como um desejo de Dorian Gray.
Nem
um mês havia se passado desde o pedido, e o homem já se sentia cinco anos mais
velho. As cores desbotaram, as pessoas atrofiaram, e sua mente só borbulha. Quando,
em meio a suas infindáveis reflexões, concluiu que ele teria que se adequar o
mundo, já era tarde demais.
Seu
desejo fez seu objetivo ser inalcançável.
(...)
E,
só por curiosidade, você ainda acha que suportaria a vida desse homem? Não
quero que pense nisso, quero que responda. Se não puder responder sem pensar,
esqueça. Já é tarde demais para isso.
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