25 de fevereiro de 2012

Rito

                                                                         Leticia Gonçalves

“É muita coisa,
 coisa demais para aguentar, você alguma vez já se sentiu assim?
 É tudo e é nada.
 E nesse marasmo entre o vai e vem das ondas, você só deseja uma coisa, estabilidade.
 E que tudo por um momento ou seja totalmente construído, ou plenamente destruído.
 Não tá fácil para ninguém Rafaela..
beijos “ 


Amassei o papel que ainda cheirava bem, coloquei-o no bolso da jaqueta.
Cansei de olhar para aquele apartamento que deixei à deriva, a desordem reinava no local e tudo que estava no caos não era por acaso. Existiam cartas jogadas no batente da porta e uma fileira que organizei na mesa de jantar ao lado da minha sempre aquecida xícara de café, tais cartas me lembram de situações amarguradas, principalmente por palavras não ditas. Escrevi, porém nunca vou mandar.
A crosta de poeira reina sobre os móveis formando placas tectônicas de ácaros. Eu não queria remover as digitais que ainda queimavam no local declamando em voz alta a minha história com as pessoas que estiveram ali, e também removedor nenhum seria suficiente para apagar o nojo de não ter feito a coisa certa, ou o que eu apenas queria fazer. De repente o ar se torna mais denso, ficando impossível respirar naquele lugar sem inalar com o ar as memórias agridoces por mim preservadas, aquele universo ficava cada vez menor me suprimindo ao centro de tudo, então eu senti um vazio estranho, eu precisava de um big bang para me libertar.

Chutei a porta trancada e corri,
Corri pelas escadas em direção à luz da porta de entrada do prédio.
Corri até meus pulmões arderem e sentirem a vida em meu sangue.

Deveria ser agora uma da manhã, quem se importava? Eu só queria exterminar esse vazio de dentro do meu peito. A garoa fina me trazia um pouco de calma, então eu andei em passos largos pela avenida, até entrar em um beco sem saída. Na ultima casa atrofiada entre dois prédios eu escutei o barulho de tambores rufando, o ritmo da música era contagiante mas não me deixei levar, adentrei no jardim da casa, olhei atentamente para a janela e vi, pessoas atadas pelas mãos criando um elo, formando com a junção dos corpos um círculo, eles cantavam e dançavam. Ao redor, existiam velas e muita fumaça, talvez de incenso.  À primeira vista os julguei como loucos, contudo uma força me atraía ao local, a porta estava aberta e fiquei ali apenas observando a sinestesia entre o som e o cheiro, tal mistura me trazia felicidade, até que o círculo parou o movimento e uma pequena garota morena com óculos de hastes grosas e preta quebrou o elo e me estendeu a mão.

E eu me joguei, fazendo parte daquele elo de loucura, êxtase e liberdade.
O universo todo girava, cantava e vivia, em uma alegria sem fim.
E a minha renovação começou, minhas pernas doíam mas aguentei até as sete mais ou menos oito da manhã quando o rito acabou, todos saíram da casa com um sorriso no rosto; a garota sussurrou dizendo para eu sempre voltar, apesar de eu saber que sempre voltaria, pois aquilo me trouxe forças, além do seu sorriso bonito ser bastante agradável. Voltando para a casa, deixei o bilhete que guardei no bolso da jaqueta no apartamento ao lado, dediquei minha manhã queimando as cartas antigas e lavando o meu apartamento, o big bang colocou ordem em tudo que era desordem e novamente eu me sentia bem, então eu destruí para construir, paradoxalmente proporcional fazendo do caos minha inspiração para a ordem.







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