12 de fevereiro de 2012

Meio e fim

— Fala, vai!
— Não, esquece. É bobeira.
Era noite, era inverno. Não havia som algum perpassando nossos ouvidos, a não ser nossos corpos se aconchegando um no outro periodicamente para que haja um pouco mais de (ilusória) segurança.
— Fala logo!
— Está bem.
Garganta pigarreando até limpar. Mais peles roçando até o conforto.
— Fico pensando no fim. No fim de tudo, na verdade. Das histórias que todos vivemos e, eventualmente, têm um fim. Essas histórias parecem nunca começar, quando nos damos conta delas já estamos no meio...
— Não entendo aonde você quer chegar.
— Aonde eu não quero chegar. Nesse fim. Dá um receio de nada valer a pena no fim. Por exemplo — Olhos fixos uns nos outros. O brilho neles já era translúcido — O nosso fim.
— Credo.
— Não lembro como nós começamos. Foi tudo rápido demais, e quando fui ver estávamos no meio. E o fim sempre parece próximo toda vez que te vejo. E não é um fim muito bom, você deve saber disso.
— Mais ou menos.
— Sabe, sim. Só que, quando esse fim chegar, talvez não estejamos preparados. Pode ser algo chocante, traumatizante, arrepiante demais para que possamos tirar proveito desse meio. Vê-lo como algo bom, frutífero. E toda essa volta que dei só serviu para arranjar coragem para te fazer uma pergunta.
— Pois faça.
Silêncio. Pálpebras apertadas, abraço idem. O inverno parecia mais impiedoso naquele cenário emudecido. Agarrava nossos corpos e fazia a dor iminente e fatal como uma arma apontada para nossas cabeças.

— Pois bem. Se nosso fim fosse o pior fim possível, você veria esse meio como algo bom?
— Nunca.
— Porque..
— O fim só acontece porque o meio já acabou. E o fim (sabe, aquele momento da despedida ou do último xingamento), se foi bom deixa saudades, se foi ruim deixa mágoas. Além do mais — Saliva engolida, rosto encolhido — O meio levou ao fim. Fez parte do caminho, e também fica para trás com um pedaço do nosso coração.
— Hum.
Aquele silêncio tétrico mais uma vez. Não era a resposta mais adequada, mas não era o fim do discurso.
— Então, por coisas assim... prefiro que não haja fim. A porta sempre tem que ficar aberta, uma luz tem que sair ali do lado dela. Atrás de portas da vida como essa acontecem coisas fora do nosso conhecimento, e elas, estando abertas, nos dão a liberdade de espiá-las e talvez até entrar por elas no futuro. Só que quando uma dessas portas se fecha...
— Se entendi seu raciocínio, só poderemos olhar pela fechadura e nunca mais entrar, a não ser que ela seja destrancada por dentro.
— O que quase nunca acontece. E não sou gente de “quase”, prefiro não correr riscos. Então, se um dia notarmos que nossa porta está para se fechar, vou colocar meu pé no batente e deixar lá até a porta desistir. O fim não existe até o momento em que o queremos.

Silêncio. Desta vez, o ar estava mais limpo, mais puro. Nossos corpos já não estavam tão tensionados e arriscávamos o movimento de um dedo ou outro para acariciar a pele companheira.
— Tudo seria mais fácil se tivéssemos o começo.
— Faria sentido demais. O meio pareceria tão natural quanto o fim, perderia a magia. Nossa vida não é linear, é um corredor cheio de portas por onde transitamos toda hora. Não temos começo e fim, somos um eterno meio. Até a porta fechar.
— E não vai, pode ter certeza disso. — E o inverno já parecia algo agradável.

2 comentários:

@laismoltene disse...

Simplesmente perfeito *-*

Anônimo disse...

Thaaanks, Laís *-*