31 de julho de 2013

Cigarros, datas comemorativas e outros perigos (momentos a sós, parte 1)

Original: http://tameroftheshrew.deviantart.com/art/Ashtray-85294670

      Momento 1:
      Datas comemorativas não são para mim: Nada de ovos na Páscoa, sempre esqueço de comemorar meu aniversário, nunca compro presente nos dias dos meus pais. (A fuga à regra é o Ano-Novo, data cabalística que dita muita coisa.) E hoje é dia do orgasmo, então imaginem? Nada de orgasmo, certíssimo.
      Pelo menos não fingi um.

      Momento 2:
      Fico no primeiro andar da livraria com o livro subliminarmente indicado por ela em mãos. A poltrona é confortável o bastante para eu esquecer o mundo lá embaixo, mas os olhos sempre escapam das letras (brancas no papel preto, todo um charme) para o térreo, esperando aquele encontro único entre tantos milhões em São Paulo — e isso sem contar os gringos, já passou um casal deles aqui ao lado.
      Quando se está só, todos estão com você. É meio aquela dos Tribalistas, "eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também". E isso é uma constatação bem solitária. Parece o contrário, mas pense a fração ínfima do mundo que você pode absorver. Sim, tantos zeros à direita após a vírgula que a absorção se satisfaz com um gesto ou uma roupa diferente. Um papo, talvez. Mais do que isso e já se torna uma divisão injusta.
      (Ah sim, a vida é injusta. Mas isso já está implícito no que escrevo.)
      E é quando percebo que me sinto invariavelmente fracionado. Uma parte de mim lê o livro dela, a outra quer se encontrar com ela (que já é outra), uma outra mais tímida olha aquela ali na seção de Direito Civil e já pensa em perguntar que horas são — celular sem bateria tem lá suas vantagens.
      Pois é, seu fumante passivo de perfumes: Ser solteiro está longe de dar mais tempo a você mesmo. Nesses dez anos ou mais que envelheci no último mês, constatei que ser solteiro é se fracionar entre amores tão diferentes que só através dele você se dá esse tempo. E não digo (só) os amores delas, mas todos os amores por onde há como se expressar. Do bicho de estimação à escrita, do passado ao futuro: O amor é o denominador comum nessa história toda.

      Momento 3:
      Lembro de Mike Enslin, personagem de John Cusack em 1408. Escritor, amante de hotéis, posicionava um cigarro apagado no cinzeiro dos quartos para qualquer emergência. Ele não fumava, era só uma atitude ritualística. (Quem assistiu ao filme sabe que ele acaba acendendo — e, se eu fosse ele, acenderia o maço todo.)
      Olho para a mesa onde meu notebook é maltratado pela digitação irregular (uso só o indicador da mão esquerda e o médio da direita na atividade, e não me diga como viver minha vida) e ela parece vazia. Fones de ouvido, o copo onde antes havia Coca-Cola, a carteira que vale mais do que o que há nela.
      Mike, dê-me seu cinzeiro. Preciso de um cigarro meu nele. Só para alguma emergência.

EM CASO DE SAUDADE
ACENDER O CIGARRO.

      (Com direito a um isqueiro preso a uma correntinha e a pataquada toda.)