Conto inspirado em: Red Hot Chili Peppers - Under the Bridge (letra)
Estou
embaixo da ponte. Sentado ao lado de um mendigo em uma daquelas caixas de
plástico onde feirantes estocam suas frutas.
A
coisa toda, na verdade, é sonho. É lúcido e palpável, ocorre toda noite, mas é
um sonho.
O
mendigo conforta sua cabeça em meu ombro e começa a chorar. Chora
desesperadamente, toda vez. Chora tanto que até o céu se comove e também começa
a chorar. Quando olho para as nuvens, elas têm o rosto murcho e tristonho do
mendigo.
Ao
fundo, não sei de onde, ouço um coral gregoriano. Sempre olho para os lados
procurando uma igreja ou algo parecido... sem sucesso. Mas ele continua a
cantar, com várias vozes jovens se intercalando em uma perfeita cacofonia. Só
soava bem em meus ouvidos porque eu estou no fundo do poço, e tudo é música
para mim.
Sou
casado, o mendigo diz. Pergunto com quem, e ele responde: Com a cidade.
Ela
sabe quem eu sou, ele discursa. Me acompanha não importa para onde vou. Nunca
me deixa só, nunca me deixa mal.
Eu
não quero mais me sentir mal, confesso. Quero ficar bem, quero um lugar que
amo.
A
cidade te amará se você a amar, o mendigo determina.
Ninguém
ama a cidade, todos a deixam sozinha. Ao léu.
Amar
é não manter segredos, o mendigo continua.
Então
não amo minha mulher?, pergunto. Ele diz que amo, mas não por inteiro.
Ele
institui que preciso contar para ela o que penso. O que sofro. Contar o quanto
ter uma doença sexualmente transmissível e não contar a ninguém com medo de ser
taxado de sujo dói. Contar o quanto minha família me despreza por causa dessa
condição de saúde. Contar como é nojento trabalhar com pessoas horríveis para
conseguir manter a casa.
Conte
a ela, o mendigo incentiva. Conte a ela como você a protege. Como você vira o
super-homem todo dia para mantê-la livre desse mundo sujo. Como você só
trabalha em dois lugares diferentes só para que ela não precise trabalhar e
conviver com gente desprezível. Como você queria que ela soubesse disso tudo,
mas tinha medo de contar.
Ele
sempre diz que ela me entenderá.
E
eu sempre discordo.
O
mendigo diz: Chora, amigo. Pode chorar. E eu me solto no ombro dele. Embaixo
daquela ponte entrego minha vida. Choro muito, choro demais. Sempre que abro os
olhos, vejo a cidade submersa em lágrimas minhas. E começo a gritar aos quatro
ventos minhas angústias, minhas dores, meu ódio.
As
nuvens começam a sorrir. Quando eu acabo, elas dizem o de sempre:
Eu
te amo.
E
eu digo que também amo... também amo.
No
fim do sonho, o mendigo me dá uma caixa de papelão e me diz para recolher todas
as lágrimas. Guardá-las para que minha mulher não veja que existe tristeza na
cidade. E essa é minha missão, segundo ele. Reluto, sempre reluto, mas acabo
aceitando.
Pulo
na água, e as lágrimas entram tão rápido na caixa que formam um redemoinho. E
nele eu acordo, toda noite.
E
quando acordo de madrugada, vejo minha mulher dormindo como um anjo. Um anjo
numa cidade de ... demônios. E ela só é um anjo porque acha que também sou um.
Beijo
o couro cabeludo dela, tão macio... e rezo pelo milagre da coragem.
Que
eu acorde de manhã com coragem para entregar minha vida a ela. Meus
pensamentos, minhas agonias. E que choremos juntos.
E
que ela me entenda.
Se
anjos conseguem entender até Deus, acho que ela pode me entender.
Dedicado a Lisie Fabro e Cassio Vinicius,
por me entenderem.
E por serem mais do que anjos,
serem meus salvadores.
Apesar de, bem, todas as coisas
horríveis que acontecem todo dia.
Um comentário:
Ahhh seu lindooo!!!!!!! s222 eh nooois sempre!!!!
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