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“Se eu pudesse morrer de tanto me embebedar,
já estaria na terceira vida”, escrevi com meu pálido sangue que mais parecia catchup vagabundo de
barraquinha de hot-dog.
É difícil manter um sangue saudável quando você
o dilui em álcool.
Essa frase foi escrita na parede, junta de
várias outras pequenas pérolas da inutilidade. Há uns dois anos tem sido assim:
Goles de rum, faca na mão e corte na outra. Um dia estava tão embriagado que
arranquei uma falange do dedo médio. No outro dia, bebi mais ainda e arranquei
uma falange do dedo anelar.
Hoje em dia estou constantemente tentando
lançar teias pela janela por causa dessa mão deformada.
E há um engano em achar que esse é o fim da
história. Se essa história fosse um livro, estaríamos naquela página com
dizeres no rodapé em uma fonte de computador que deveria parecer parece
escrita à mão que diz “Dedicado a alguém”.
E a quem eu dedicaria esse livro?
A mim.
“Dedicado a mim”.
Faço uma ode à minha infância regada a jujubas
e pés-de-moleque e à minha adolescência obesa mórbida. Aos meus cinco anos de
vida e Scooby-Doo na televisão o dia todo e aos meus quinze anos e nenhuma
consciência social na cabeça. À empregada-babá que cuidou de mim até meus sete
anos e meu professor de boxe que me estuprou aos doze.
Uma vida digna, afinal. Não posso negar que
essa vida movimentada é bem melhor que a vida insípida de muita gente. Por
isso, um brinde ao passado!
O sangue continua a jorrar pelo corte no dedo.
Minha capacidade de coagulação foi reduzida a níveis negativos, e a finura do
sangue o faz se espalhar mais rápido ainda pela escrivaninha que antes servia
de fato para escrever, e não para apoiar garrafas vazias e pratos mal comidos
de lasanha congelada.
Mais um brinde pela operação de redução de
estômago que me faz comer uma ervilha e me sentir estufado, e pela ansiedade
causada pela depressão que me faz querer comer javalis assados inteiros. Por
todas as vezes que pintei meu banheiro com vômito de bebida, e por todas as
vezes que foi de comida.
Por todas as vezes, também, que foi com vômito
de outros.
Levantei mais um copo de rum para o alto,
brindando meu caos. O rum escorrendo pela minha mão magra e fodida congela
minha alma. Copo ao alto, brindando meu desemprego de mais de cinco anos, meu
prêmio na loteria que gastei quase que inteiramente com um estoque de bebidas
em casa. Meus amigos que estão muito melhor longe de mim, minha família que
está mais coesa sem mim na árvore genealógica.
Brindando a parte boa que havia em mim e
resolveu fazer as malas, partindo para Nárnia ou se teletransportando para
Marte.
Algum filho da puta deve estar por aí gritando
“essa viadagem aí é por causa de mulher”. E é mesmo, algum problema? Coração
remendado não bate direito, amigo.
Se eu tirasse meu coração e o desse para uma
universidade estudá-lo, eles se surpreenderiam com a aparência dele. Amarrado
com fios de arame e remendado com fotografias velhas, o sangue bombeado escapa
por vãos e rachaduras, como uma caixa d’água de madeira carcomida em seus
momentos finais.
Estou nos momentos finais, e esse é só o
começo da história.
E quem se importa além de mim?
Fiz com que desistissem de mim. Transformar
amor em ódio é tão fácil quanto mudar uma televisão de canal. E, subitamente,
minha vida estava mudada.
Expressões novas surgiram em meu dicionário:
Ódio-próprio, primeiro ódio, ódio à primeira vista.
A novela começou a se chamar Ódio, Eterno
Ódio.
A música do Nando Reis, em um piscar de olhos,
intitulava-se Pra Você Guardei o Ódio.
Se eu resolvesse transformar amor em rum,
teria o mesmo significado.
Rum, Eterno Rum. Para mim faz todo o sentido.
Sou o Jesus Cristo do ressentimento,
transformando amor em rum.
Praticando o milagre da multiplicação da
raiva.
Curando o leproso matando-o.
Sendo crucificado por mim mesmo, lavando
minhas mãos com meu próprio sangue.
Ressuscitando? Talvez. Só morrendo para saber.
6 comentários:
Que máximo, cara!
Muito bom.
Profundo, intenso, forte...
Maravilhoso!!
Parabéns pelo excelente texto.
já disse que amo seus textos?
Muuuuito obrigado, galera!
Não, não falou, Deh! HUHAEUEHAUAEH Thanks anyway!
Muito bom! Muito bom, meesmo! :)
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